sábado, setembro 10, 2011

LÚCIA GUIMARÃES - Seriedade em plena era da bobagem



Seriedade em plena era da bobagem
LÚCIA GUIMARÃES
O ESTADÃO - 10/09/11


O polêmico Lee Siegel discute Are You Serious? (Você Fala Sério?), um ensaio que usa a força da expressão idiomática do título para explorar a cultura contemporânea, que 'perdeu o norte'


NOVA YORK

Quando nos aproximamos da adorável casa amarela no alto de um terreno, na pequena cidade de New Jersey, o esforço para estacionar na vaga apertada compete com o esforço para conciliar a prosa devastadora do morador e a placidez do lugar onde ele se exilou de Nova York. Mas há um precedente: o terreno do fundo é ocupado pelo igualmente mordaz comediante Stephen Colbert.

O escritor e polemista Lee Siegel nos recebe numa tarde escorchante. Seu novo livro Are You Serious? How To Be True and Get Real in The Age of Silly (Harper Collins, U$ 24,99) - Você Fala Sério? Como Ser Verdadeiro e Cair na Real na Idade da Bobagem - usa a evolução da expressão idiomática do título para explorar a cultura que perdeu o norte usado para distinguir entre a seriedade, bobeira e o niilismo sarcástico.

Siegel denuncia a insustentável leveza do diálogo cultural americano. Um momento em que o comediante seu vizinho é confundido com uma autoridade do comentário político, enquanto o âncora do telejornal serve de escada para um quadro no programa do dito comediante. Afinal, quem está falando sério? E por que a distinção é relevante? Engana-se quem vê em Siegel um casmurro azedo. Ou, como disse Mac Margolis, colunista deste jornal, a respeito de certo aspirante a Paulo Francis: "Uma atitude em busca de oportunidade."

Siegel escreveu Against The Machine: Being Human in the Age of the Electronic Mob, Spiegel and Grau, 2008 (Contra a Máquina: Ser Humano na Idade da Turba Eletrônica), um libelo contra a apatia que saudou a era digital, com seus maus modos e exaltações à superficialidade. É também autor do elogiado Falling Upwards, Essays in Defense of the Imagination, Basic Books, 2006 (Caindo para Cima, Ensaios em Defesa da Imaginação), livros cujos títulos revelam sua convicção de que "as coisas não precisam continuar como estão".

No começo de Are You Serious?, ele leva o leitor de volta à Londres vitoriana, onde o poeta e crítico Matthew Arnold inspirou gerações a buscar a seriedade através do refinamento cultural, um substituto para a religião. Logo no segundo capítulo, Siegel nos dá um tour de sua infância asmática, repleta de literatura e com exclamações que Woody Allen teria facilmente incluído em seus roteiros da década de 70. O livro toma o pulso da seriedade na política, na cultura e até recomenda, como quem tem uma simples receita para combater a gripe, de que maneira se pode ser sério. Sem prejuízo do senso de humor.

As pessoas não desconfiam logo do título do livro?

Alguns vão pensar que estou dizendo que eu sou sério e os outros são bobos. Que bobagem, eu sou bobo também. Este livro não é um sermão, não estou dizendo que a nossa era é mais boba do que outra passada. Apenas digo que a tecnologia da bobagem ficou mais sofisticada. E que as pessoas podem continuar a ser sérias quando precisam. O que me surpreende e que destaco no livro é o fosso entre a seriedade que existe na nossa vida privada e a bobagem que toleramos na vida pública.

Você cunha um neologismo, o "whateverism" que podemos traduzir por "qualquercoisismo". "Qualquer coisa" é a expressão niilista típica do adolescente americano.

É como um movimento social! As estruturas que dominam a sua vida são tão sufocantes, são impossíveis de derrotar e implacáveis que você, impotente, suspira: whatever. O que quer dizer, ao mesmo tempo, "nada pode ser feito" e também, "vamos tratar do que é de curto prazo". Eu acho que whateverism substituiu o cristianismo como o etos dominante da cultura americana.

O livro recomenda os três pilares da seriedade.

É simples: atenção, propósito e continuidade. Atenção: Você não está distraída com o Blackberry quando alguém lhe dirige a palavra. Propósito: Você sabe por que está num lugar ou numa situação e sabe o que espera dali. E, se tem senso de continuidade, sabe como chegou ali e onde quer chegar. Um bom exemplo é o piloto Chesley Sullenberger, o capitão da US Airways. Aterrissou no gelo fino, com os motores do avião em pane, em janeiro de 2009. Foi chamado de herói. Para mim, é um homem sério. Ele é modesto, disse que estava cumprindo sua obrigação profissional. E estava mesmo.

Na sua opinião, o escritor John Updike, morto naquele mesmo janeiro de 2009, exemplifica o clima antisseriedade na cultura americana.

O que se passou com Updike me parece um bom exemplo. Nós desconfiamos de autoridades neste país. Buscamos a autoridade e, quando ela é estabelecida, temos que destruí-la. O Updike era o artista sério que queríamos ter. Mas, quando ele se tornou importante e começou a exercer sua autoridade, falar de questões como o caráter da liberdade americana, muitos se voltaram contra ele. "Ele escrevia demais", diziam. A linguagem luxuosa de Updike, uma beleza da prosa americana, se tornou suspeita. Acho também que o desprezo por ele era uma irritação deslocada com o fato de que o romance contemporâneo não tem mais poder sobre a nossa vida, tanto quanto o filme ou a música. Eu escrevi sobre isto no ano passado e quase fui linchado. A palavra escrita perdeu o poder que tinha na sociedade. Note que alguns dos mais sérios autores contemporâneos, como V.S. Naipaul, Philip Roth e Geoff Dyer proclamaram o fim da relevância do romance.

No livro, você registra o momento em que a seriedade se tornou sinônimo de conservadorismo.

Foi depois da emergência da esquerda radical. Grupos violentos como o Weathermen, apareceram como resposta à violência da Guerra do Vietnã. Isto coincidiu com a chegada do movimento neoconservador. E a palavra seriedade virou o grito de guerra da direita. Você tinha que ser sério. Você tinha que falar de primeiras e últimas coisas. Você tinha que ser intelectual. Você tinha que se engajar em questões, veja, que esta é basicamente uma mentalidade da Guerra Fria. Durante a Guerra Fria, ao contrário do que acontece hoje com ser Democrata ou Republicano, para ser um comunista, você tinha que ter lido ao menos uns livros. E para lutar contra o comunismo você tinha que ler os mesmos livros! Você tinha que mergulhar na história europeia. O que é interessante é que os conservadores, por causa da Guerra Fria, associavam seriedade a profundidade intelectual. Por outro lado, eles associavam o liberalismo elitista a abstrações. Acho que quando eles usavam a palavra "sério" não estavam definindo um intelectual e sim um americano patriota, com conotações de decência e da centralidade dos Estados Unidos naquele momento da história mundial.

E, a partir daí, você compara a seriedade com um unguento...

Para os conservadores, era mesmo. Para mim, qualquer pessoa pode ser séria. Nós compreendemos o que é ser sério na nossa vida, como amigos, pais, profissionais. Mas, para os conservadores, a seriedade era algo diferente. Você tinha que já começar sério. Era como uma pomada que ia passar. Algo que você levaria no bolso o tempo todo. Ou, quem sabe, seria sinalizada por uma gravata borboleta.

O poema América, do Allen Ginsberg, é celebrado no livro como a contrasseriedade, uma contracultura do que é ser sério.

No fim do poema quando ele diz, "América, estou encostando meu delicado ombro à roda", está brincando com a gravidade da velha expressão "Encoste seu ombro à roda". Para mim, isto representa um desdobramento da seriedade, a seriedade antisséria. Ele conjura outro tipo de seriedade. Há a seriedade do estadista, do clérigo, do financista. E há a seriedade do palhaço sábio, como o Ginsberg. No tempo dele, o sério era um homem branco e hétero. Seu poema é libertador. Ele substitui nos versos a seriedade rígida por uma seriedade traquinas, profundamente séria. E incorpora tantos excluídos. Por isso, adoro o poema.

Você diz que o modelo americano de seriedade é marcado pela busca de autoaperfeiçoamento.

Foi um fenômeno que se tornou mais acentuado depois da Segunda Guerra, com a GI Bill, que mandou milhões de veteranos para a universidade. Ter cultura era importante para competir com os russos. Vimos a emergência da seriedade "middle brow". Adquirir conhecimento se tornou autoaperfeiçoamento. Os grandes livros eram até numerados em coleções, você lia até o número 50 e poucos e aí se graduava como o homem sério. O que mostra que até o desejo pela cultura foi cooptado pelo materialismo americano.

O livro identifica personagens populares que circulam dentro e fora do território da seriedade. Por que a Oprah Winfrey é um híbrido?

Ele foi muito séria, por exemplo, ao endossar o Obama para presidente. Mas é um híbrido de seriedade e bobagem. Ela justapõe questões sérias como a fome na África com bobagens e faz isto com uma velocidade aterradora. De repente, lá está o Tom Cruise pulando no sofá. Ela criou esta síntese como um Picasso, um quadro cubista das qualidades da vida americana.

O que acha do cinismo que tem dominado o clima cultural americano na era Obama, o presidente que vendia esperança?

Acho que o desespero trazido por Bush criou essa exultação em relação a Obama, mas nenhuma pessoa pode satisfazer tantas expectativas. Digo isto com tristeza, eu apoiei Obama. Mas, no fim, ele se revelou medíocre. Ele não é um político. Ele se elegeu numa plataforma de se colocar acima da política. E todo esse papo de ele vir de Chicago, uma cidade de durões na política, é uma sandice. O que provocou a onda a favor dele foi sua raça e, de várias maneiras, o que inspirou esse ódio incrível dele é o racismo - o que é uma triste admissão a se fazer sobre os Estados Unidos. A raça ainda é um fator importante neste país e há um grande número de americanos que se sentem deslocados e marginalizados. Não aguentam a ideia de um negro na Casa Branca. E os liberais de esquerda queriam projetar toda sua esperança no país e seu senso de decência em Obama e isso os cegou para a realidade da vida americana. Eu acho que ele é um professor de direito, um cara muito abstrato. Às vezes, chego a desconfiar se ele não combate uma depressão, porque tende a se ausentar quando as coisas esquentam. Não acho que ele seja a figura certa para os desafios que os americanos enfrentam.


ARE YOU SERIOUS?
HOW TO BE TRUE AND GET REAL IN THE AGE OF SILLY
Autor: Lee Siegel
Editora: Harper Collins
(Importado, 272 págs., R$ 55,80)

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