segunda-feira, setembro 26, 2011

FÁBIO TOFIC SIMANTOB - Mitos e verdades sobre as mudanças do CPP


Mitos e verdades sobre as mudanças do CPP
FÁBIO TOFIC SIMANTOB
O Estado de S.Paulo - 26/09/11

Entrou em vigor no dia 5 de julho a Lei n.º 12.403/11, que altera alguns dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) referentes às medidas cautelares. Insta desfazer desde logo o principal mito sobre a nova lei, o de que agora bandido não vai mais para a cadeia.

É importante esclarecer de uma vez por todas que medida cautelar não tem nada que ver com pena imposta pela prática de um crime. As medidas cautelares são instrumentos de coerção postos à disposição do juiz durante o processo; a pena criminal, ao contrário, é punição prevista para cada crime e aplicada no fim do processo, depois de confirmada a culpa do acusado. O objetivo das medidas cautelares, então, é evitar que a demora do julgamento torne inviável a aplicação da pena final.

Assim, a medida cautelar é usada quando há risco concreto de fuga do réu ou de ameaças a testemunhas, ou seja, para assegurar o regular andamento do processo e garantir que, ao final, o réu pague pelo crime que cometeu.

Imagine, caro leitor, que independentemente da situação, do crime praticado e das peculiaridades de cada réu o juiz tivesse em mãos sempre o mesmo remédio para acautelar o processo e garantir a futura aplicação da lei: a prisão. É como se nossos hospitais só tivessem a quimioterapia para curar todas as doenças, desde o resfriado mais simples até um câncer terminal. Resultado: ou as pessoas sofreriam à míngua de medicação, ou sofreriam o excessivo e desnecessário efeito colateral da quimioterapia. Essa era a sistemática da antiga lei: ou as pessoas ficavam livres esperando o desenrolar do processo porque a prisão era remédio desproporcional demais para o crime imputado, ou amargavam uma prisão processual por um crime cuja condenação não levaria à prisão final. Ou seja, eram distorções e idiossincrasias de todos os lados.

Num dos seus inúmeros pontos, a Lei n.º 12.403/11 só veio sedimentar lógica há muito tempo consolidada nos tribunais, prescrevendo que não caberá prisão provisória nos crimes cuja pena não ultrapasse quatro anos. Esse limite escolhido se deve a uma razão muito simples: crimes apenados com até quatro anos podem ter a pena final de prisão substituída por pena alternativa.

Mas se a jurisprudência já entendia da mesma forma que agora estabelece a lei, o que muda efetivamente com a alteração legislativa? A diferença é que, se antes o preso precisava percorrer a via-crúcis do Judiciário para usufruir o bom senso jurisprudencial e ser posto em liberdade, agora ele não chega sequer a ser preso. Isto é, a lei saiu em socorro dos desvalidos que ficavam presos por meses e até anos, sem necessidade, apenas por falta de acesso à Justiça.

Como se vê, ao contrário do que alardearam alguns profetas do apocalipse, sempre dispostos a minar as tentativas de implementação de um direito penal mais progressista e igualitário, a nova lei não é uma via de acesso fácil às ruas, por onde escoarão os criminosos mais graúdos; a alteração legislativa equivale à abertura de pequenos orifícios legais cujo entupimento impedia a liberdade provisória de infratores menos perigosos, esquecidos nas masmorras brasileiras tão somente por falta de recursos para reclamar os seus direitos nos tribunais.

A bem da verdade, o mérito da nova lei foi o de abandonar o velho e antiquado binômio prisão/liberdade, substituindo-o por nove alternativas à prisão como forma de garantir a execução final da pena. Quer dizer, então, que, nos casos em que o juiz era obrigado a deixar o réu responder solto ao processo - porque a prisão era absolutamente inaplicável -, ele pode agora impor uma das medidas alternativas à prisão (fiança, prisão domiciliar, proibição de frequentar certos lugares, afastamento de função pública, monitoramento eletrônico, entre outras), de forma a buscar na escala prevista na lei o grau de intervenção na liberdade alheia que atenda melhor aos pressupostos de adequação e necessidade do caso.

Se a lei anterior oferecia ao juiz um tamanho único para diferentes manequins, o novo diploma oferece a tesoura do alfaiate, permitindo ao magistrado aplicar restrições sob medida para cada acusado, de acordo com a necessidade do processo e a situação de cada réu. Isaac Bashevis Singer, Nobel de Literatura, foi feliz quando disse que fazer justiça nada mais é do que individualizar o julgamento.

Não se deve, todavia, desejar que a partir de agora, não importando o crime e tampouco as qualidades pessoais do réu, todo acusado seja obrigado a suportar uma medida cautelar antes de ser sentenciado. Tal raciocínio levaria a abolir por completo a presunção de inocência e admitir que, pelo simples fato de estar sendo processado, o cidadão já é merecedor de alguma restrição da liberdade, olvidando-se que ao final de um processo não são raras as chances de absolvição.

Outro aspecto que merece ser festejado é o retorno da fiança. Relegada na vigência do antigo código apenas aos crimes de pouquíssima gravidade, a fiança foi caindo em desuso porque se mostrava extremamente injusto exigi-la dos acusados de crimes leves e não dos de crimes graves. Com a nova lei a fiança pode ser aplicada pelo próprio delegado quando a pena do crime não exceder quatro anos e pelo juiz em todos os crimes, exceto aqueles para os quais a Constituição federal já a proibia, como os hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes, o racismo, a tortura, o terrorismo, etc.

Boa ou ruim, uma coisa é certa: a nova lei ajudará a reduzir a distância que separava os presos com fácil acesso ao Judiciário dos detentos que mofavam nas prisões por falta de defesa. De outra banda, casos em que o juiz nada podia fazer para evitar a impunidade ao final do processo vão permitir agora a aplicação de medidas que, se, de um lado, se ajustam melhor à situação de cada acusado, causando sempre o menor mal possível, de outro, garantem de forma mais eficaz a execução final da pena.

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