quinta-feira, setembro 01, 2011

EDITORIAL - O GLOBO - Votação reflete degradação da política


Votação reflete degradação da política
EDITORIAL
O Globo - 01/09/2011

Amanutenção do mandato da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha de Joaquim Roriz - caudilho dos cerrados, também personagem de histórias desabonadoras -, vai além de mais um produto do espírito de corpo dos parlamentares. É especial o momento em que a Câmara dos Deputados decide preservar Jaqueline, apesar da prova documental do vídeo em que a ainda futura deputada recebe dinheiro vivo, sujo, de Durval Barbosa, o homem da mala no governo de José Roberto Arruda (DEM). Mesmo que a presidente Dilma Rousseff indique haver recuado na faxina ética na máquina pública, os casos de malfeitos no primeiro e no segundo escalões do governo continuam a reverberar. Depois de muito tempo de letargia, parece crescer nos segmentos mais informados da sociedade uma repulsa à banalização do roubo do dinheiro do contribuinte. Mesmo assim, os 265 deputados que votaram contra a cassação de Jaqueline, os 20 que se abstiveram e outros que a ajudaram faltando à sessão demonstraram não estar nem aí para o que se pense sobre a absurda votação de terça-feira.

Não enrubesce a maioria da Câmara, como se viu, concordar com o caviloso argumento de que a cena explícita de corrupção patrocinada por Jaqueline não pode ser considerada como prova, por ela ter ocorrido antes da posse na Câmara (!?). Nesse caso, qualquer crime cometido até o início de mandato deve ser relevado em processos de quebra de decoro. Trata-se de exemplar primoroso de teorias destiladas num ambiente político sem ética, para jogar no lixo o conceito da Ficha Limpa.

Como em vezes anteriores, os defensores de Jaqueline buscaram apoio com a ameaça de que todo parlamentar com prontuário construído antes da posse poderá um dia ser cassado. A Câmara tenta criar jurisprudência de anistia de crimes, uma excrescência.

A manutenção do mandato de Jaqueline é fruto da degradação da vida pública, aprofundada pelo exercício crescente do toma lá dá cá por parte do lulopetismo. Como, a partir de 2003, passou a ser executado um projeto de manutenção do poder a qualquer preço, a qualidade da representação política foi ainda mais rebaixada. Pelo fato de os balcões de negociatas passarem a conduzir parte da vida parlamentar e ditarem a montagem de equipes de governo, a tônica do Congresso passou a ser a do baixo clero. Um Severino Cavalcanti presidir a Câmara, renunciar para não ser cassado por receber propina e, depois, ser elogiado nos palanques pelo presidente Lula simboliza bem os tempos sombrios que se vive na política brasileira. A derrota do pedido de cassação de Jaqueline Roriz está coerente com o nível da atual vida pública no país.

Estas situações redobram a importância de instituições na preservação do estado de direito, em todos os aspectos. O Ministério Público, por exemplo, que processa a deputada. E a Justiça, em que se destaca o Supremo, guardião da Carta. Neste aspecto, o caso da escandalosa absolvição da deputada reforça a necessidade imperativa de a Lei da Ficha Limpa vigorar por inteiro a partir das eleições do ano que vem, depois da discutível decisão por um voto, no Supremo, de que a lei estourara os prazos para ser aplicada em 2010. É também a falta deste filtro que facilita a entrada na vida pública de pessoas de baixa estatura moral, dispostas a tudo para conseguir e manter benesses dos donos do poder.

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