domingo, setembro 18, 2011

DORRIT HARAZIM - Como ser um corrupto honesto


Como ser um corrupto honesto
DORRIT HARAZIM 
O GLOBO - 18/09/11

O defenestrado ministro do Turismo Pedro Novais perdeu a chance de sair do governo em grande estilo. Antes dele, Antônio Palocci (Casa Civil), Wagner Rossi (Agricultura) e Alfredo Nascimento (Transportes) já tinham deixado escapulir oportunidade semelhante.

A essência da carta que entregou à presidente Dilma Rousseff resumiu-se a uma rabisseca frase de 10 palavras: "Cumpro o dever de pedir-lhe minha exoneração do cargo." Pelo menos ele foi direto ao ponto. Palocci, Rossi e Nascimento, nem isso: embora mais fraldosos, foram também mais tediosos, previsíveis e oblíquos em seu adeus temporário a "malfeitos" revelados pela imprensa.

Com tantos praticantes de ilícitos na política nacional, falta ao país alguém que abrace publicamente a causa. Com ardor, convicção e arroubo, além de verve.

Falta ao país, e ao PMDB em particular, um George W. Plunkitt maranhense.

O americano Plunkitt (1842-1924) foi deputado e senador estadual de Nova York por mais de quatro décadas, entre o final do século XIX e início do XX. Foi, sobretudo, uma das locomotivas de Tammany Hall, entidade que concentrou a máquina de extorsão política do Partido Democrata na cidade e no estado nova-iorquinos.

De origem irlandesa, o exuberante Plunkitt começou a vida como ajudante de açougueiro e morreu como um dos homens mais ricos de Nova York. Seu legado para a humanidade é um livrinho fino de filosofia política intitulado "Tammany Hall: A Series of Very Plain Talks on Very Practical Politics" (em tradução livre, "Uma Série de Conversas Francas sobre o lado Muito Prático da Política"). Sua publicação acaba de completar 100 anos e tornou-se um clássico da literatura americana.

É fácil entender por que o título nunca saiu de catálogo: suas 64 páginas falam uma linguagem universal, degustável em qualquer canto do mundo. Dada a falta de criatividade da corrupção brasileira, ou melhor, de sua surrada retórica, listamos abaixo alguns tópicos essenciais dos fundamentos de Plunkitt:

A vida feita de oportunidades - "Todo mundo anda dizendo que estamos enriquecendo através de suborno e corrupção, mas ninguém parou para fazer uma distinção entre ilícito honesto e ilícito desonesto. Existe uma diferença enorme entre os dois. Não nego que muitos de nós enriqueceram na política. Inclusive eu. Fiz fortuna com ela e a cada dia fico mais rico. Mas nunca me envolvi com roubalheiras desonestas, como chantagem, jogatina, rede de prostituição, etc. Sou um exemplo de como o ilícito honesto funciona e posso resumir a prática numa única frase: "Aproveitei as oportunidades que apareceram."

Vou dar dois exemplos. Meu partido pretende realizar melhorias na infraestrutura da cidade. Alguém me passa a dica de que há planos para um novo parque em determinada região. Vejo nisso uma oportunidade e trato de comprar o maior número possível de terrenos vizinhos. Assim, quando o departamento disso ou daquilo tornar público o projeto, haverá uma corrida para a compra dos terrenos que até então interessavam pouco. Não é perfeitamente honesto eu cobrar alto e lucrar o máximo com o investimento e a aposta que fiz? Claro que é.

Ou então vamos supor que a prefeitura tenha planos de construir uma nova ponte e eu receba essa informação de cocheira. Trato de comprar as propriedades que serão vitais para fazer os acessos à ponte e as revendo por um preço maior. Mais dinheiro vai pingar na minha conta bancária. Quem não faria a mesma coisa? No fundo, não é diferente de investir em Wall Street ou no mercado do café ou algodão. São negócios honestos e fico à espreita deles todos os dias do ano.

Quero acrescentar que a maioria dos políticos acusados de roubar os cofres públicos enriqueceu da mesma forma. Eles não roubaram um único centavo de dinheiro público, apenas souberam aproveitar as oportunidades. É por isso que quando um novo governo reformista toma posse e gasta meio milhão de dólares tentando descobrir as falcatruas que denunciou durante a campanha eleitoral nada encontra."

Caridade - "Quando um incêndio destrói a casa de uma família, não pergunto se ela é democrata ou republicana, e não a encaminho a alguma entidade beneficente, pois essa vai primeiro investigar o caso durante um ou dois meses para só então decidir se a família deve ser ajudada. A essa hora todos já morreram de fome. Eu, não: vou logo distribuindo alguns trocados, compro roupas caso eles tenham tido tudo queimado e dou a mão até eles poderem ficar de pé sozinhos. Isso é filantropia, mas também é política - e política com "p" maiúsculo. Quem pode prever quantos votos esses incêndios me trarão? Os pobres têm mais amigos entre si do que os ricos."

Loteamento de cargos - "Não há em Nova York quem tenha faro mais aguçado para cargos públicos do que eu. Já ao acordar farejo se um cargo ficou disponível na noite anterior, e em qual secretaria. Sou sempre o primeiro a me apresentar. Ainda na semana passada apareci às 9h da manhã no Departamento de Águas e disse que queria a vaga para um dos meus eleitores. "Mas como o senhor soube que [o funcionário O"Brien] saiu?", quis saber o servidor. "Senti algo no ar, ao acordar", respondi. A verdade é que eu não tinha a menor ideia de que havia um funcionário chamado O"Brien no departamento, nem que ele tivesse ido embora, apenas farejei algo que me fez ir ao Depto. de Águas, e meu faro quase nunca me engana."

Em determinada época de sua carreira, Plunkitt chegou a ocupar quatro cargos públicos simultaneamente, recebendo salário em três deles. Neste quesito os brasileiros o ultrapassam, por meios mais tortuosos. Mas em matéria de suar a camisa, Plunkitt é um exemplo que poucos corruptos nacionais têm intenção de copiar. Consta que num único dia de sua agenda política ele atendeu pessoalmente a sete compromissos: ajudou as vítimas de um incêndio; 2) obteve o relaxamento da prisão de seis bêbados defendendo-os perante o juiz; 3) pagou o aluguel de uma família de imigrantes irlandeses para evitar que ficassem sem teto; 4) empregou quatro eleitores; 5) foi ao enterro de outros dois, um italiano e um judeu; 6) foi a um Bar Mitzvah; 7) foi a um casamento.

Ser corrupto honesto dava trabalho na Nova York da virada do século XIX. No Brasil do século XXI, nem isso.

DORRIT HARAZIM é jornalista.

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