quinta-feira, setembro 22, 2011

CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT - Adeus à regra de Taylor e bem-vinda à regra Rousseff


Adeus à regra de Taylor e bem-vinda à regra Rousseff
CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT
VALOR ECONÔMICO - 22/09/11

Dilma pressionou politicamente, Mantega forjou um ajuste fiscal e Tombini cedeu ao jogo político. Essa foi a sinalização dada, ainda que possa ter sido uma desafortunada coincidência de pronunciamentos. O fato é que após cinco reuniões com aumentos sucessivos na taxa Selic - que saiu de 10,75%, em dezembro de 2010, para 12,5%, em agosto de 2011-, o Banco Central (BC) a diminuiu para 12%, em 31/08/11, deixando o tripé da política macroeconômica (câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação) ainda mais frágil.

O câmbio, balizado por interferências consecutivas do governo ao longo de 2011, já não era visto há algum tempo como flutuante, diferentemente da percepção de outrora, entre 1999 a 2010. Nas entrelinhas dessas ações, uma possível leitura é que uma "banda cambial" implícita passou a nortear a política cambial do atual governo.

O superávit fiscal, por sua vez, pelo menos desde setembro de 2010, tem sido construído com base em redução de investimento, contabilizações duvidosas (capitalização da Petrobras) e aumento de receitas extraordinárias (exemplo: receita de R$ 6 bilhões da Vale). Sem mencionar que um governo que gasta (ao redor de) R$ 1 trilhão se vangloriar em deixar de gastar (com receitas extras) R$ 10 bilhões e chamar esse fato de ajuste fiscal, parece estranho.

Com isso, mesmo que a "foto" dos números pareça bonita, a dinâmica do superávit primário gera desconfiança acerca do "filme" da sua evolução futura. Em parte porque algumas despesas, como as transferências de renda (exemplo: Bolsa Família) e subvenções econômicas (exemplo: Minha Casa, Minha Vida) são promessas de campanha e, por isso, devem apresentar maior peso em 2012, além dos investimentos relativos aos compromissos da Copa do Mundo e da Olimpíada. Todos importantes, mas que podem levar a foto brasileira a vir a se assemelhar com a feia aparência de países europeus, se não houver corte em outras despesas em custeio.

Os pronunciamentos do governo ostentando "austeridade fiscal", ainda que bem-vindos, têm sido vistos com descrença. Por que não estabelecer um compromisso crível com a sociedade com metas fiscais de longo prazo?

Resta o sistema de metas de inflação. Nesse arcabouço, o único objetivo do BC (artigo 2º do decreto nº 3088, de 21/06/99) é alcançar uma meta previamente definida, hoje em 4,5%. Naquele decreto, vale dizer, diferentemente do Fed, o banco central americano, nada é dito sobre metas de emprego ou de crescimento do PIB.

Como o BC não fixa preços (de forma geral), seu trabalho é coordenar as expectativas dos agentes para, assim, controlar a inflação. O trinômio reputação-credibilidade-transparência torna-se fundamental para ancorar ditas expectativas e o principal instrumento para alcançar aquele objetivo é a Selic. Nesse contexto, a regra de Taylor é um dos modelos utilizados para inferir qual seria essa meta (função de reação do BC). Grosso modo, ela diz que a Selic deve variar positivamente quando a inflação esperada estiver acima da meta ou quando a demanda efetiva estiver acima do produto potencial.

Como a inflação esperada está acima da meta e como o mercado de trabalho segue pujante, ainda que a economia esteja dando sinais de desaquecimento, a maioria dos economistas previa uma manutenção da meta-Selic e não uma queda - pior, de 50 pontos-base. A justificativa do Copom teve como pano de fundo as incertezas quanto à deterioração no quadro internacional, que, supostamente, levará o Brasil a uma recessão nos moldes de 2008. O cenário externo, principalmente o da Europa, de fato não é bom. Mas daí a mudar radicalmente a rota (com significativo corte na Selic e viés de baixa, segundo a ata da 161ª reunião do Copom) é questionável, não só porque uma recessão como a de 2008 é improvável que ocorra, mas, principalmente, porque a inflação segue alta (embora, segundo consta na ata, o BC entenda que ela, no acumulado 12 meses, passe a decrescer a partir deste trimestre e a convergir tempestivamente).

Criar reputação é difícil e leva tempo, mas destruí-la é fácil e rápido. A credibilidade no BC, que já estava abalada (pois as expectativas com respeito à meta já haviam se descolado de 4,5%), levou um choque negativo, até mesmo pelo extenso e não usual comunicado quando da divulgação de sua decisão, como se estivesse se desculpando. Criou-se, então, um problema de previsibilidade, que reflete na confiança no BC, que, por sua vez, reflete na expectativa da inflação e que, por fim, reflete na inflação real.

Com uma inflação acumulada, em 12 meses, em 7,23% e a de serviços, em 8,92%; com um provável aumento nos preços das commodities como álcool e açúcar (quebra de safra) e soja, trigo e milho (seca nos EUA); com aumento real de salário mínimo entre 2012 e 2015 já definido (Lei 12.382, de 25/2/11), sendo o de 2012 em torno de 14%; com os dissídios salariais mirando reajustes acima da meta; com propostas no Congresso como a emenda 29 e PEC 300, que podem aumentar os custeios em 2012 em mais de R$ 25 bilhões; com a queda na arrecadação de R$ 24 bilhões com o Plano Brasil Maior; e com um possível aumento nos salários do funcionalismo do Judiciário - não pareceu prudente a mudança da meta-Selic na reunião de agosto.

Mas, como tudo na vida, o sucesso resulta de uma mistura de competência, esforço e sorte. Resta aos brasileiros conceder o benefício da dúvida e torcer para que o governo conduza a nova política monetária - seguindo a "Regra de Rousseff" - gerando crescimento e queda de inflação ao mesmo tempo.

Cristiane Alkmin J. Schmidt é doutora em economia pela EPGE/FGV, professora da FGV e ex-secretária adjunta da SEAE/MF.

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