terça-feira, setembro 06, 2011

CONCEIÇÃO FREITAS - A panela de presente

A panela de presente
CONCEIÇÃO FREITAS 
CORREIO BRAZILIENSE - 06/09/11

Querido amigo se casou e me mandou o convite. Lindo cartão coberto por envelope com estampa dos azulejos de Athos na Igrejinha. Saí da minha clausura e compareci à cerimônia. Linda a noiva, com os cabelos soltos à princesa Kate, elegante o noivo, encantadora a capela com os afrescos de Galeno, calma e serena a noite. Só no dia seguinte, me dei conta de que não havia acessado o site da agência de viagem para deixar o meu presente. É tendência moderna que até então eu desconhecia: em vez de perder tempo comprando baixelas cafonas ou liquidificadores repetidos, o convidado presenteia os noivos com a viagem de lua de mel. Prático como os tempos pós-modernos.
Mas eu me esqueci"
Na verdade, foi um ato falho. Eu não queria dar um presente tão indiferente. E acabei adiando o acesso ao site. Quando o fiz, na segunda-feira seguinte ao casamento, o nome dos noivos já não estava mais disponível para acessos e depósitos. Achei ruim, mas achei bom. Estava formalmente livre para comprar o presente que eu quisesse.
Aí surgiu um novo problema. Que presente? A era do consumo exacerbado deixa à disposição tudo o que você imaginar " a supra-mega-hiperdiversidade de produtos me sufocava como uma onda que te arrasta para a areia sem te permitir aproveitar o balanço do mar. Como sou amiga do noivo e tenho contato cordial com a doce noiva, fiquei em situação mais complicada ainda. O noivo gosta de livros, mas eu não ia comprar as obras completas de Dostoievski " é um presente de casamento, não de formatura em literatura russa.
Numa noite em que lançava os olhos cansados pelas prateleiras de uma loja de presentes, fui surpreendida por uma panela. A bem da verdade, me apaixonei por ela. Não era uma panela-panela. Era uma frigideira com forte parentesco com uma bacia. Dito assim, parece um tacho, mas não é. O design é de arquiteto " meia esfera em volume harmonioso, que se abre elegantemente desde o fundo até a boca, como se Niemeyer dos bons tempos tivesse criado a forma perfeita de uma panela moderna. Lembra a forma côncava do Congresso Nacional. Ao utensílio é anexado um cabo de não menos altivez. Ressalte-se que, dadas as suas funções, a panela declinou da tampa, completa-se em si mesma, com sua insolente beleza negra.
Para esta chucra cronista, se tratava, como disse até agora, de uma panela. Fui informada, porém, que é uma wok " está para os asiáticos como a frigideira está para os brasileiros.
Apaixonada, entreguei o presente aos recém-casados, tão logo voltaram da lua de mel, que incluiu um roteiro gastronômico em Paris. Neste fim de semana, meu amigo ofereceu um jantar. A atração não foi o cardápio nem os filmes da viagem" foi a panela. Ops, a wok.

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