sábado, agosto 13, 2011

WALTER CENEVIVA - Escandalizante! Escandalizados?



Escandalizante! Escandalizados?
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP- 13/08/11

Há escândalos reais, para todos os gostos, até mesmo o escândalo dos escândalos, com a imensa dívida dos EUA

ESCÂNDALO É o vocábulo da hora. Dia após dia, sabe-se de prejuízos causados aos cofres públicos por servidores dos mais diversos escalões, cujo dano final vai bater em nosso bolso. Outra face do escândalo aparece quando figuras da administração surgem algemadas, conduzidas entre filas de fotógrafos e cinegrafistas previamente convocados. O policial pode e deve algemar o acusado, mas sob limites severos.
Uma das discussões mais ilustrativas a respeito disso surgiu no STF (Supremo Tribunal Federal) por causa da posição do ministro Marco Aurélio ao impor que a excepcionalidade das algemas seja justificada por escrito, em cada caso, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal da autoridade, tudo "sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado". Assim está na súmula vinculante n. 11 do STF.
De outro ponto de vista, cabe lembrar dos passageiros feridos no ônibus carioca quando a polícia queria prender assaltantes. No caso dos algemados, entre os servidores públicos expostos às câmeras de televisão não parecia haver facínoras assustadores. Quase todos foram soltos no dia seguinte. O estrépito da prisão teria servido para mostrar que todos são iguais perante a lei? Não, nem tão iguais, pois a lei os trata diferentemente, por idade e função, entre outros critérios. O escândalo provocado pode até prejudicar a apuração final, feita em silêncio, no trabalho constante, cuidadoso e lento, sob os olhos da defesa a ser submetida ao juiz criminal, buscando a condenação dos que sejam culpados e a absolvição dos inocentes. Quando esse tempo chegar, a mídia não será convocada.
Em síntese: escândalo não é sinônimo de eficiência. Na violação da lei transformada em hábito, prepondera a forma teatral, com dano para o trabalho do levantamento concreto do que verdadeiramente aconteceu. A repetição das mesmas técnicas sensacionais leva à descrença. Passado o escândalo, não se fala mais no assunto ou, quando se fala, o empenho na divulgação não é o mesmo ou é distorcido pela frase comum que diz que "a polícia prende e o juiz solta".
É bom insistir em que o fenômeno está longe de ser apenas brasileiro. Virando os olhos para a velha Inglaterra, vemos que lá o escândalo tem sido, digamos, mais escandaloso nas criações imaginosas dos tabloides, no fogaréu real das cidades tumultuadas, na agressão à ordem de uma população habituada a ela. Abaixo da linha do Equador, a revolta dos estudantes no Chile traz a marca de movimento contra um governante que tirou todo o proveito imaginável dos mineiros presos no fundo da mina. Foi herói nacional por uns dias. Há escândalos reais para todos os gostos, até o escândalo dos escândalos, com a imensa dívida dos Estados Unidos, cuja capacidade de pagar é preocupante.
De retorno ao nosso mundo de ministros demitidos, altos funcionários presos, chegamos outra vez ao universo das algemas, para nos escandalizar com o abuso delas. A presunção constitucional da inocência é um direito fundamental. A proposta do título de hoje consiste em saber que, se nos escandalizarmos, contribuiremos, dentro da ordem democrática, para corrigir os defeitos, conhecendo-os bem para realizar os ajustes necessários. Escandalizados, sim, mas raramente escandalizantes.

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