quarta-feira, agosto 31, 2011

MONICA B. DE BOLLE - A terra desolada


A terra desolada
MONICA B. DE BOLLE
O Estado de S.Paulo - 31/08/11

Parafraseando T. S. Eliot, agosto é o mês mais cruel. O desgosto ficou mais do que evidente nos discursos e artigos apresentados durante a tão aguardada reunião do Fed em Jackson Hole, cujo tema central era como enaltecer o crescimento de longo prazo. Como? A economia mundial é, atualmente, uma grande terra desolada. O rei - os EUA - está ferido e as terras, inférteis em razão da sua impotência. "Eu lhes mostrarei o medo em um punhado de poeira" - foi um pouco isso o que fizeram Ben Bernanke e Christine Lagarde, com discursos sóbrios, sombrios e realistas.

O presidente do Fed não anunciou novas medidas de estímulo, mas não era razoável que o fizesse. Afinal, Jackson Hole é um simpósio acadêmico, e não uma reunião de política monetária. Mas Bernanke revelou que a próxima reunião do Fed em setembro será estendida, para que possam avaliar detalhadamente o estado da economia americana e os custos e benefícios de usar estímulos adicionais para auxiliar a recuperação - ou evitar uma recessão. O presidente do Fed declarou que a atividade crescerá menos do que imaginava e destacou a disfuncionalidade do crédito e do sistema financeiro como causas disso. Expressou sua preocupação com o desemprego de longo prazo e criticou o debate politizado em torno do ajuste fiscal e da elevação do teto da dívida, sugerindo que tenha sido parcialmente responsável pelo descarrilamento recente do crescimento. Por fim, disse que "a maior parte das políticas econômicas que sustentam o crescimento de longo prazo está fora do alcance dos bancos centrais". Não há sombra debaixo dos galhos nus; da pedra seca não se ouve o barulho da água.

A devastação do crescimento de longo prazo causada pelas dívidas avassaladoras foi um dos temas explorados em Jackson Hole. Um estudo específico mostrou que dívidas do setor público superiores a 80% do PIB secam as fontes de crescimento de longo prazo, ao aumentar o grau de fragilidade financeira e limitar certas funções essenciais dos governos. Governos muito endividados não têm margem de manobra para promover políticas que impulsionem a economia e tampouco podem dispor livremente dos recursos para recapitalizar instituições financeiras, se preciso.

A necessidade premente de recapitalizar bancos na Europa foi a principal mensagem da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde. Ressaltando que a crise europeia entrou numa fase perigosa nos últimos dois meses, ela disse que os bancos precisam ser urgentemente recapitalizados para evitar o alastramento da crise e os riscos de uma perniciosa falta de liquidez. O alarme contundente também refletiu os temores de que a Grécia, esquecida nas últimas semanas, ainda abale a higidez financeira. Mas a morte por falta de irrigação foi descartada por Jean-Claude Trichet, que disse não haver risco de paralisação no mercado interbancário europeu com as ações e o empenho do Banco Central Europeu em prover liquidez. Mas um trovão seco e estéril ruge nas montanhas de setembro. Será preciso escalar os montes das negociações para o programa futuro da Grécia, galgar as rolagens da dívida italiana, percorrer os resultados orçamentários das províncias espanholas, superar os picos dos parlamentos europeus, que terão de aprovar as mudanças previstas para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira acordadas em julho...

Diante da desolação nas terras secas e fraturadas do dólar e do euro, o Brasil está cada vez mais próximo de viver, nas palavras de T. S. Eliot, "o terrível destemor de um instante de abandono, que não pode ser apagado por uma vida inteira de prudência". O discurso austero da presidente é bom, vem na hora certa, sinaliza que a faxina do governo é mais abrangente do que a simples remoção dos frutos apodrecidos em certos ministérios. Mas não serve como justificativa para que a política monetária mude de direção imediatamente. Ao contrário das lendas arturianas que inspiraram o autor de The Waste Land, não há um Santo Graal miraculoso para resolver as nossas mazelas inflacionárias. Nem mesmo fazendo promessas.

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