quinta-feira, agosto 04, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Uma bolsa que cai





Uma bolsa que cai
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 04/08/11

A Europa e os Estados Unidos é que enfrentam crises graves, mas é a bolsa brasileira que está com o pior desempenho este ano entre as maiores economias. Na verdade, do mundo inteiro só os gregos estão piores do que nós. O Brasil também tem seus próprios problemas, mas eles parecem pequenos para justificar uma queda tão grande na bolsa.

O Brasil está com inflação e juros em alta; crise política com queda de ministros; interferências do governo em gestão de empresas privadas; déficit em conta corrente; balança comercial sustentada pelo preço das matérias-primas. Há problemas, mas nada parecido com o que se vê à volta no mundo e, afinal, o país continua crescendo.

A Europa divulgou um novo pacote de socorro à Grécia, mas o risco de calote na Espanha e na Itália tem aumentado. Os Estados Unidos viveram dias terríveis. O clima de medo do risco está visível na alta acumulada do ouro, que é de 40% em 12 meses.

Entre as maiores economias, o pior resultado é o da bolsa brasileira. Do mundo todo, só a bolsa grega cai mais, 22,1%. Em 2011, o Ibovespa acumula queda de 19,2%. No mesmo período, a bolsa eletrônica americana Nasdaq sobe 1,1%; o Dow Jones tem alta de 2,8% e o S&P 500, que reúne as 500 maiores empresas americanas, sobe 0,2%. A bolsa alemã tem queda de 3,93%; a inglesa, de 5,35%; e a francesa, de 9,19%. Nesta mesma edição o jornal traz números diferentes. É apenas porque eles fizeram a conta em dólares, e nós, em moeda local. Mas o fato é que o Brasil cai mais que inúmeros países em grandes dificuldades. Mesmo assim, é bom olhar, para corrigir, o que anda errado na conjuntura brasileira.

O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de recursos, acha que o país tem os seus próprios problemas, como déficit em conta corrente de 2,5% do PIB, mesmo com a disparada dos preços das commodities. A inflação está em alta e cresce o endividamento das famílias:

- O ambiente político também é preocupante, com a queda de dois ministros num novo governo. Os investidores também olham para isso. Há desconfiança de que o BC tenha perdido um pouco o controle da inflação e depois tenha que subir juros numa dose mais elevada. Isso afetará o crescimento. Também houve interferências do governo nas duas maiores empresas de capital aberto do país.

A interferência do governo na gestão da Petrobras e da Vale tem peso relevante porque as duas empresas sozinhas representam quase 30% da composição do índice Ibovespa. A Petrobras, por exemplo, não pode elevar o preço da gasolina mesmo que o petróleo suba, a demanda dispare, e ela tenha que comprar mais caro lá fora para vender aqui. A Vale está sendo pressionada para entrar no setor siderúrgico, mesmo com todo o excedente de capacidade de produção de aço que existe no mundo. Tudo isso afeta a rentabilidade das empresas e afasta investidores.

O economista Eduardo Oliveira, da Um Investimentos, explica que vários outros setores que compõem a bolsa estão apresentando resultados menores que o esperado. O setor siderúrgico está mal não só aqui, mas no mundo todo. Só que aqui há quedas de 43,6% este ano, como da Usiminas; de 41,5%, da Gerdau; de 38,5%, da CSN. Os bancos estão com queda forte nos papéis porque o crédito já subiu muito. Empresas do setor imobiliário estão fortemente negativas na bolsa, como a Gafisa, que cai 39%; Cyrela, com queda de 32,5%; e MRV, com menos 30,5%.

- O índice Ibovespa tem o pior resultado do ano entre as grandes bolsas, seguido pela bolsa indiana. A inflação em alta é uma das explicações para isso, tanto aqui quanto lá. Praticamente todos os setores da bolsa estão caindo. As construtoras que entraram no segmento de baixa renda não conseguiram a rentabilidade esperada. As empresas exportadoras, como as de celulose, encontram demanda fraca. Há estoques elevados. É muito difícil que a bolsa não termine o ano no vermelho - disse Oliveira.

Mas é óbvio para qualquer um que o risco grande está é nas economias europeias que enfrentam ainda o fantasma do calote de dívidas soberanas. Nos Estados Unidos, ficou claro, na opinião do ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia, que o sistema político não está funcionando:

- Sempre houve polarizações e radicalizações, mas o sistema resolvia o problema. Agora não está resolvendo mais.

O economista Alexandre Schwartsman diz isso também. Ele pondera que o presidente Barack Obama saiu do conflito como um líder fraco. Na economia, segundo Alexandre, começa a se formar a expectativa de que seja necessária uma terceira rodada de expansão monetária.O que levará o dólar a se enfraquecer mais ainda.

- Estados Unidos e Europa estão se tornando Japão, ou seja, podem passar um longo período com baixo crescimento - diz Lampreia.

O momento é de riscos nas economias maduras, como este ano tem demonstrado desde o início. Em momentos de risco generalizado, algumas empresas podem ser mal avaliadas. Países também. Está claro que se houvesse lógica no mercado o Brasil não teria a pior queda. Mas o fato é este: a crise é deles, e aqui é que a bolsa despenca.

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