sábado, agosto 13, 2011

MÍRIAM LEITÃO - S&P e EUA


S&P e EUA
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 13/08/11

Os tremores da semana foram detonados a partir da decisão da Standard & Poor's de rebaixar os Estados Unidos. Decisão contestada e que reabriu a temporada de críticas às agências. Elas são indefensáveis: erraram sequencialmente, exibiram uma relação promíscua com o mercado na crise de 2008. Mas por que todo mundo pode ser rebaixado, menos os Estados Unidos?

A S & P errou inúmeras vezes, mas não ao rever a nota dos americanos. O país tem dívida alta, déficit alto e o sistema político exibiu uma enorme divisão sobre o tema, colocando o país em risco de calote. Até o presidente Barack Obama chamou de "fiasco" o debate em torno do assunto. O manual da agência estabelece que quando há essas três variáveis - dívida, déficit e divisão política - o crédito precisa ser revisto. O novo, no caso S & P e Estados Unidos, é que o mercado financeiro não levou a agência a sério. Houve turbulência nos mercados de ações e moedas, mas a procura pelos títulos rebaixados foi ainda maior esta semana.

Quando foi que as agências erraram? Sendo breve: os países da Ásia que quebraram em 1997-98 eram grau de investimento, em sua maioria. Elas não viram a crise. Quando rebaixaram, agravaram a corrida contra as moedas. A AIG era AAA até quebrar, com um rombo de US$ 80 bilhões. Foi rebaixada às pressas. O Lehman Brothers era A até quebrar. Elas não viram o que poderiam ter visto. Desde março de 2008, quando o Bear Stearns teve dificuldades e foi socorrido, estava claro que havia uma crise bancária e a AIG garantia ativos cada vez menos confiáveis. Elas não viram a bolha de crédito se formando no subprime e, pior, fizeram parte do trabalho interno que produziu a bolha. As agências orientavam seus clientes sobre produtos financeiros que depois de criados recebiam boas notas, mas eles eram, na verdade, tóxicos.

Na atual crise, elas demoraram a ver os problemas da Grécia. Portugal estava dois degraus acima do Brasil na véspera de ser desclassificada para a categoria "lixo", pela agência Moody's. No rebaixamento americano, a S & P mandou ao Fed, com antecedência, um rascunho da nota que divulgaria. O Fed encontrou um erro de cálculo de US$ 2 trilhões nas contas da agência. Ninguém pode dizer que isso é um quantia desprezível.

A França tem uma capacidade de se financiar muito menor do que os Estados Unidos, tem dívida de 87% do PIB e déficit primário. As três maiores agências confirmaram o triplo A em comunicados esta semana, no auge da turbulência no mercado. Aí a S & P ficou mais contraditória. É preciso medir todos com a mesma régua. Se os EUA perderam a nota máxima, a França também tinha de ser rebaixada. E de novo o mercado ignorou. No dia da reafirmação da nota máxima para a França houve aumento da cobrança de taxa de risco dos títulos franceses.

Criou-se então uma situação estranha. O mercado ignora algumas notas das agências, apesar de se orientar em parte pelos seus diagnósticos. Os Estados Unidos gastam demais há anos, e irresponsavelmente. Sua máquina de guerra arruinou as contas públicas entre outras razões porque os contratos com os fornecedores de vários serviços terceirizados do Pentágono são do tipo "cost plus": ganha-se um porcentual sobre os gastos, portanto não há interesse na eficiência da despesa. "Quanto mais eles gastam em aviões, armamentos, mais dinheiro recebem e por isso eles maximizam os gastos em vez de cortá-los", diz o economista Michael Hudson, da Universidade do Missouri.

O curioso do que se viu nos mercados financeiros mundiais nos últimos dias é a resposta dada à grande questão que era feita no fim de semana. Os mercados levariam a sério a nota da S & P ou ignorariam a agência pelos seus tantos erros de avaliação passados? A resposta foi dupla. Sim e não. Na segunda-feira, houve uma onda que começou no pessimismo e terminou em episódios de pânico nas bolsas de valores do mundo inteiro. Mas no mercado de moedas e bonds houve mais procura por dólar e por títulos do Tesouro americano.

Muita gente se pergunta, por que, apesar de tudo, elas são levadas a sério pelos jornais, pelos mercados? A resposta é simples. Todos os investidores institucionais e administradoras de reservas nacionais têm regras estabelecidas por eles mesmos - em alguns casos por reguladores - que estabelecem o volume de papéis que se pode ter em carteira dependendo das notas das agências. O volume de papéis de duplo A permitido é menor do que o de triplo A. Isso significa que os bancos centrais do G-20, inclusive o do Brasil, tiveram que não cumprir suas próprias regras na segunda-feira. Se fossem respeitá-las, teriam de reduzir o total de títulos americanos, o que significava vendê-los. Isso pode ser um ponto a partir do qual o veredicto das agências passará a não ser tão determinante.

O mundo precisa reformar o sistema de classificação de risco, ter novos medidores mais precisos, mais transparentes. Adianta pouco quebrar o termômetro ou atirar no mensageiro, que desta vez, no caso da S & P com a dívida americana, trouxe o recado certo.

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