terça-feira, agosto 30, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - Analistas X operadores


Analistas X operadores
JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 30/08/11

O senso comum já se acostumou com as acirradas discussões macroeconômicas que antecedem cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no Banco Central, em torno da fixação da taxa básica de juros. Não é difícil imaginar que, embora acostumado, o senso comum não atine muito bem para tanta celeuma. Ainda mais que, no cotidiano, a relação entre a taxa básica e a praticada nos financiamentos ao público parece-lhe muitíssimo tênue - para não dizer inexistente.

Amanhã e depois, o Copom volta se reunir para decidir a nova taxa básica para os próximos 45 dias. O debate, como de costume, está aceso. E, de novo, instalou-se um veemente confronto de convicções e argumentos: já é hora ou não de começar um movimento de corte nos juros básicos?

A novidade agora é a divisão no mercado. Avaliações de analistas e operadores do mercado normalmente convergem, mas, no caso da reunião desta semana, cada um foi para um lado. Os analistas, dos quais se espera que digam o que o Copom deveria decidir, são quase unânimes em concluir que ainda é cedo para iniciar um ciclo de cortes nas taxas.

Os operadores, que executam as ordens de compra e venda, procurando adivinhar o que vai ser decidido, estão apostando que o corte da taxa começa já nesta semana e prossegue, com novas reduções, nas outras duas reuniões até o fim do ano.

Vale a pena resumir o que está levando os dois segmentos do mercado a fazer escolhas divergentes. Enquanto analistas estão dando mais peso aos indicadores econômicos, que, como se diz no mercado, ainda mostram tendências mistas e indefinidas, operadores, neste momento, parecem dar mais ênfase a mensagens e sinalizações políticas emanadas do governo.

O anúncio do aumento na meta de superávit fiscal primário, que ontem, véspera da decisão do Copom, veio a público, com a devida pompa, seria apenas a cereja de um bolo de pressões do Palácio do Planalto e da Fazenda sobre o Banco Central, captadas pelos operadores de mercado, para que o ciclo de cortes nos juros básicos se inicie imediatamente.

Em meio a um infindável debate sobre as razões que levam o Brasil a se manter como campeão mundial dos juros altos, a grave crise em curso nas economias maduras abriu espaço para a ideia de que seria possível, desta vez, defender o nível da atividade econômica no País com uma combinação de estímulos monetários e contração fiscal, incomum em épocas de fortes turbulências nos países de economia madura.

Quando o bicho pega na economia global, o normal é soltar tanto o lado monetário quanto o fiscal, como foi feito entre nós, a partir do último trimestre de 2008 - com atraso, diga-se, no lado monetário.

Análises convencionais, de fato, poderiam estranhar a adoção de apertos fiscais em períodos de crise global. O governo - aí talvez incluído o próprio Banco Central -, no entanto, parece considerar que a natureza desse segundo round da crise é menos agressiva do que a do primeiro. Numa tradução livre das mensagens transmitidas, para os formuladores da política econômica, a recuperação mundial pode demorar, mas o mergulho não será tão forte.

No quadro com o qual parecem trabalhar, não se considera nenhuma derrubada descontrolada do dólar, nenhuma desaceleração galopante da economia chinesa, nada de quebra em cadeia de bancos ou de colapso nos circuitos financeiros.

Nessa visão relativamente benigna do futuro, em que os capitais continuariam fluindo para o País, as cotações das commodities tenderiam a recuar, aliviando pressões inflacionárias, mas não a ponto de congelar receitas de exportações e, com isso, tornar insustentáveis os crescentes déficits em conta corrente.

A estratégia, agora oficialmente posta em marcha, com o aumento da meta de superávit primário, é politicamente esperta, mas não isenta de riscos.

É esperta porque imagina ser possível compensar eventuais constrangimentos a uma expansão suficiente da economia com uma maior liquidez proporcionada pelo corte nos juros - e, de quebra, obter vantagens com redução da dívida pública e dos gastos com seu serviço, bem como com menores pressões pela valorização do real e suas muitas consequências negativas.

Mas não é isenta de risco pelo menos por dois motivos. Primeiro, porque se apoia na ideia à espera de provas de que será possível manejar uma contração leve do crescimento doméstico, suficiente para conter a inflação, mas incapaz de reverter, pelo menos significativamente, o ritmo da arrecadação tributária. E, depois, porque aposta na perspectiva, também incerta, de que, mais atentos e mais experientes, os governos dos países desenvolvidos conseguirão levar a crise até um pouso suave, sem permitir novos traumas do tipo dos desencadeados com a quebra do Lehman Brothers.

Pode dar certo. Mas fica faltando combinar tudo isso com os russos.

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