terça-feira, agosto 16, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - Abrir janelas


Abrir janelas
JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 16/08/11

Não há, para os próximos dias, previsão de eventos capazes de deflagrar movimentos excepcionais nos mercados mundo afora. Isso não quer dizer que não existam potenciais gatilhos para novas montanhas-russas nas cotações. Nem muito menos que a crise aguda tenha sido desarmada. A calma aparente não se confunde com qualquer hipótese de solução dos problemas.

Os horizontes continuam nublados nos dois lados do Atlântico. Quando se enxerga além da névoa, o cenário cada vez mais nítido nas economias maduras é o do baixo crescimento por um período longo.

Nos Estados Unidos, as famílias se concentram em reduzir dívidas, o que significa cortar consumo e, na esteira, desestimular o investimento das empresas. É de se perguntar, portanto, que poder teriam para reverter um quadro de aversão ao consumo e ao investimento, políticas fiscais e monetárias expansionistas, mesmo esquecendo que, nas duas pontas, a corda já esticou até o limite.

Na Europa, a situação ainda é mais complicada. Além dos problemas das dívidas e dos déficits dos governos, limitadores de políticas macroeconômicas expansionistas, há outras barreiras, como a do sistema de câmbio fixo, exigido pela moeda comum. Esse impasse, amplificado pela situação instável do sistema bancário e uma tensão social crescente, não permite nenhum tipo de otimismo.

A convergência no rumo do consenso de que haverá desaceleração de longo percurso nas economias maduras abre espaço ao debate das estratégias que o Brasil deveria adotar para evitar ser alcançado pela crise global. Resumindo a discussão numa única indagação: até que ponto a crise está abrindo uma oportunidade para que o País adote desde já um programa permanentemente adiado de redução dos juros?

É alvissareiro observar que a relutância a uma resposta positiva vem perdendo força à medida que se amplia a compreensão da inevitabilidade de uma retração prolongada, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos - e até na China. Mesmo no caso da economia chinesa, um enigma ainda não decifrado, dissemina-se a impressão de que também por lá, diferentemente do que ocorreu no primeiro capítulo da grande crise atual, a tendência é de desaceleração.

As divergências, no caso da China, giram agora mais em torno do tamanho do esfriamento da economia. As previsões, na média, apontam para um crescimento entre 6% e 8%, nos próximos anos, o que já seria uma desaceleração e tanto, para quem tem avançado por um longo período acima de 10% ao ano, com picos de 15%. Mas já existem avaliações de que, se for cumprir o objetivo de elevar o consumo interno de 35% do PIB para 50%, a China terá que se contentar com um ciclo de expansão de apenas 3% e 4% ao ano.

Não surpreende, por tudo isso, que menções a uma possível "década perdida" venham ganhando desembaraço. E que tais menções possam ser cada vez mais facilmente encontradas nas análises disponíveis. Não custa lembrar que uma década perdida significa, entre outras coisas, taxas referenciais de juros muito baixas por longo período. Nos Estados Unidos, aliás, será assim, com a prorrogação de taxas de juros perto de zero, pelo menos até meados de 2013, como o Fed determinou por escrito, depois da última reunião do seu comitê de mercado aberto.

Do ponto de vista brasileiro, sem entrar em outras considerações, só esse fato indicaria ter chegado a hora de estreitar o diferencial de taxas - no mínimo restabelecendo relações anteriores à crise. Mesmo quem defendia altas mais fortes de juros há tão pouco tempo está agora aceitando a perspectiva de manutenção das taxas - e até mesmo de um corte, embora com cautela. Janelas, enfim, estão se abrindo. Atacar o diferencial entre as taxas internas e externas pode apresentar uma série de vantagens. Em primeiro lugar, ajudaria no combate aos déficits externos, um dos principais canais de possível contágio da crise global para a economia brasileira, pela menor pressão de valorização do real.

Além disso, cortes cautelosos dos juros dariam um imediato sinal de alento ao mercado interno, permitindo talvez dispensar estímulos fiscais se surgirem dúvidas e quebra de confiança numa evolução razoável do nível de atividades - mesmo quando se sabe que os efeitos concretos da política monetária ocorrem com alguns meses de defasagem. Por último, mas não menos importante, contribuiriam para a desejável contenção dos gastos do governo, pela redução direta do serviço da dívida pública.

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