domingo, agosto 07, 2011

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - O Brasil e a turbulência global


O Brasil e a turbulência global
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 07/08/11

O Brasil está pronto para enfrentar turbulências mais fortes no mercado internacional, garantem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini. Se isso dependesse apenas do otimismo oficial, os brasileiros poderiam ficar tranquilos. Não é hora, no entanto, para relaxar. Se Estados Unidos e Europa afundarem numa segunda recessão, todo o resto do mundo pagará um preço muito alto. O comércio internacional será afetado, a concorrência nos mercados será muito mais dura e, se a economia chinesa perder impulso, os exportadores de produtos básicos, como o Brasil, terão muita dificuldade para faturar com as vendas externas. As empresas terão menos acesso ao financiamento internacional e a disputa pelo crédito interno será mais dura e as pequenas e médias companhias serão prejudicadas, como já foram na crise financeira de 2008-2009.

Mas é justo ressaltar pelo menos um detalhe positivo. Desta vez, nenhuma autoridade teve a imprudência de usar a palavra "marolinha" para descrever a possível consequência de uma piora do quadro internacional.

O Brasil tem a seu favor, para começar, um bom nível de reservas em moeda estrangeira. Entre o fim de julho e o dia 3 de agosto as reservas subiram de US$ 346,1 bilhões para US$ 348,5 bilhões. Se houver uma alteração brusca nos fluxos de capitais, por enquanto favoráveis ao País, será possível enfrentar a nova situação sem grande abalo imediato. Há alguma gordura para ser queimada. Quem defendeu a acumulação de reservas tem esse argumento a seu favor.

Mas há pontos vulneráveis nas contas externas. De janeiro a julho, o valor das exportações - US$ 140,5 bilhões - foi 31,5% maior que o de um ano antes. Mas isso resultou principalmente do aumento das cotações dos produtos básicos e semimanufaturados, classificáveis, de modo geral, como commodities. Os preços da soja foram 31,7% maiores que os de janeiro a julho do ano passado; os do suco de laranja, 69,2%; os do açúcar em bruto, 35,3%; os do minério de ferro, 23,3%; e os dos semimanufaturados de ferro e aço, 23,5%. Estes são apenas alguns exemplos.

Essas cotações dependeram basicamente do vigor econômico de vários países do Extremo Oriente. O Brasil conseguiu na Ásia 29,2% de sua receita comercial. A China, mercado individual mais importante, pagou 17,4% dos dólares faturados pelos exportadores brasileiros.

Se a economia desses países enfraquecer, o Brasil terá dificuldade para aumentar - e talvez para manter - seus ganhos com as vendas ao exterior. Isso dependerá também da evolução do câmbio. A situação ficará um pouco melhor se o dólar se valorizar, mas é arriscado apostar nisso. Se o Federal Reserve, o banco central americano, voltar a emitir grandes volumes de moeda para estimular a economia, o dólar voltará a inundar os mercados e seu valor tenderá a cair, prejudicando a indústria de vários países, incluída a brasileira.

Se a economia mundial se enfraquecer e o governo brasileiro insistir em estimular a demanda interna, o mercado continuará muito dependente da importação de artigos de consumo e de bens intermediários destinados à fabricação de produtos finais. A situação das contas externas ficará mais precária.

Ao mesmo tempo, as condições de financiamento poderão tornar-se menos favoráveis. O Brasil deverá chegar ao fim deste ano com um déficit em conta corrente superior a US$ 50 bilhões. Diante da perspectiva de piora do cenário externo, o governo deveria dar mais atenção a esse ponto. Não se pode esperar nenhum resultado importante do arremedo de política industrial anunciado na terça-feira passada.

No plano fiscal, o governo terá pouca folga para adotar novas medidas anticíclicas, porque o orçamento, já muito rígido, estará em 2012 mais comprometido com gastos salariais e previdenciários. Além disso, as obras da Copa de 2014 estão atrasadas e será necessário apressar vários projetos para se evitar um vexame. O governo enviará ao Congresso, no fim do mês, a nova proposta orçamentária. Se tiverem juízo, as autoridades tentarão preservar o máximo espaço de manobra para um ano difícil.

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