Não tem nada de mais...
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 25/08/11
Nossa série "Não tem nada de mais" recebeu colaboração notável do senador José Sarney. Flagrado em um helicóptero da PM do Maranhão - aparelho comprado para transporte de doentes e feridos -, e na companhia de um empreiteiro que tem negócios com o governo maranhense, fazendo um voo de São Luís para sua ilha particular, em fim de semana, Sarney reagiu conforme o figurino da série: por ser chefe de poder, tem direito "a segurança e transporte de representação em todo o território nacional", em qualquer circunstância, mesmo a lazer.
Ou seja: não tem nada de mais.
Mas considerando que Sarney representa um poder federal e que o helicóptero é estadual e não destinado a "transporte de representação", ou seja, não é para dar carona a autoridades, não haveria aí algo errado ou ao menos estranho? Não, argumenta o senador, pois viajou a "convite" de autoridade estadual máxima, a governadora do Maranhão. A circunstância de a governadora ser sua filha, Roseana, tudo bem?
Resposta: qual o problema?
Pois vamos imaginar um problema. Suponha, caro leitor, que um presidente do Senado - não o Sarney, claro, que não é disso - resolva patrocinar, digamos, uma festinha com amigos e amigas numa mansão de praia e peça "transporte de representação" ao governador local, que coloca à disposição um avião da PM. Pode?
O simples bom-senso e o mínimo de ética dizem que não, não pode. Este caso imaginado está no limite, mas é exatamente a mesma situação da viagem real de Sarney. Ele não ia à farra, mas a descanso. Ok, mas continua sendo lazer absolutamente pessoal e privado. Estava levando não uma turma, mas só um convidado, certo. Ocorre que o cidadão, o empreiteiro, não tem direito legal a "transporte de representação" e, pela ética, nem devia receber a hospitalidade do senador, por haver um claro conflito de interesses.
Alguém da turma do "Não tem nada de mais" poderia argumentar que o empreiteiro tem negócios com o governo estadual, não com o Senado. Mas o helicóptero era estadual. Além disso, como disse o senador, os dois estavam ali a "convite" da governadora que, aliás, é herdeira da tal ilha.
Poderiam também argumentar que o presidente do Senado precisa de segurança. Mas ali? Ele? Um segurança do Senado para carregar as malas já dava conta do serviço, não é mesmo? Quem precisa de segurança é juíza que condena bandidos perigosos, não chefe de poder que distribui benesses como os supersalários no Senado.
Em resumo, não existe a menor possibilidade de se justificar com um mínimo de lógica e decência a viagem do senador e seu amigo.
Só cabe mesmo a resposta do vice-líder do governo Roseana Sarney na Assembleia Legislativa do Maranhão, o deputado estadual Magno Bacelar (PV): "Queria que o presidente do Senado fosse andar de jumento? Enfrentar um engarrafamento? Esse helicóptero, é claro, tem que servir aos doentes. Mas tem que servir às autoridades, esta é a realidade."
Perfeito. O deputado leva, até aqui, o título de campeão nacional do "Não tem nada de mais". O ex-presidente Lula concorre por fora, com a justificativa, digamos teórica. Ele disse, - lembram-se? - que Sarney, pela sua biografia, "não pode ser tratado como uma pessoa comum". Para registrar parte da biografia: a família Sarney, que controla o Maranhão há décadas, vai muito bem, obrigado. Quantos brasileiros têm ilha particular? Quanto ao Maranhão, disputa o título de mais miserável do país.
"Para o bem do povo"
O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília), Olindo Menezes, inaugurou uma versão paralela do "Não tem nada de mais".
O caso é simples. A lei determina que nenhum funcionário público pode ganhar mais que o salário de um juiz da Suprema Corte, uns R$26 mil.
Cerca de 700 funcionários passavam do teto e tiveram seus vencimentos reduzidos, por ordem judicial. A mesa diretora do Senado, presidida por Sarney, recorreu ao juiz Menezes, que mandou a Casa voltar a pagar os chamados supersalários.
Entre outros motivos, disse que o corte dos salários "atenta contra a ordem pública", pois coloca "de joelhos o normal funcionamento" do Senado.
O que quer dizer isso? Que os funcionários não trabalhariam mais caso a decisão judicial não os favorecesse? Eles não podem fazer isso. E mesmo que fizessem, de onde o juiz tirou que o Senado pararia?
Os funcionários envolvidos certamente têm o direito de discutir o caso na Justiça. Mas a mesa do Senado não deveria ir à Justiça contra uma lei aprovada ali mesmo.
Tudo, porém, fica mais fácil de entender quando se sabe que muitos senadores passam do teto salarial, inclusive Sarney, possivelmente com mais de R$60 mil mensais.
Quanto ganha exatamente o presidente do Senado? O site Congresso em Foco perguntou diretamente a ele. Sarney respondeu que não diria, "resguardado pelo direito constitucional à privacidade sobre os meus vencimentos, que tenho como qualquer cidadão brasileiro".
Repararam? Para voar no helicóptero da PM, é autoridade, uma pessoa não comum. Para esconder quanto ganha dos cofres públicos, é cidadão qualquer.
Sarney é autoridade no helicóptero da PM e cidadão nos ganhos
Jornalista Carlos Sardenberg, parabéns pela excelente matéria.
ResponderExcluirQuando vejo pessoas como Sarney no poder, perco as experanças em ver melhora em nosso país. Como ainda tem gente que vota neste ladrão?
Atenciosamente,
Antonio Augusto
Repassei está ótima matéria pros amigos e para o site "velhosAmigos.com.br" e a equipe publicou na página A palavra é sua.
ResponderExcluirContinuarei divulgando.
Muito obrigada! Vocês, jornalistas, são a nossa voz.
Abraços,
Mario