domingo, julho 17, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Olhos em Berlim


Olhos em Berlim
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 17/07/11

Um economista brasileiro que tem bons contatos no alto comando das finanças mundiais passou um dia ligando para autoridades europeias e se assustou com a falta de noção deles sobre a dimensão da crise. Tudo está tão louco no mundo atual que há dúvidas sobre a sobrevivência do euro e mesmo assim a moeda se valorizou este ano 5,4% em relação ao dólar. Há explicação?

O mundo hoje é cheio de contradições. A Alemanha está se fortalecendo cada vez mais num continente que naufraga. Ela vai crescer este ano 3%, no ano passado cresceu 3,5%, segundo o FMI, que classifica o desempenho alemão de "impressionante", o mesmo Fundo que lembra que a Itália há dez anos cresce menos que o continente. A Alemanha está criando emprego, aumentando o produto industrial, controlando contas públicas. O país conseguiu retomar o crescimento interno e manter exportações altas, mesmo num cenário de encolhimento de grandes economias. Outras economias do continente se afundam em recessão, déficit, dívida e desemprego.

O mundo atual desafia o entendimento de qualquer um. A Itália, que fez o mercado tremer na semana passada, tem uma classificação de risco que é, pela Fitch, cinco níveis acima do nível do Brasil. O Brasil tem metade da dívida/PIB da Itália e menos da metade do déficit. Nossa tendência é de queda da dívida, e a deles é de alta. Faz sentido essa classificação? Perguntei isso ao diretor da agência no Brasil, Rafael Guedes, na GloboNews. Ele disse que o custo da dívida é mais alto no Brasil. Sim, o Brasil tem juros altos; não, não há lógica nesta classificação de risco. Obviamente.

Uma pessoa me fez uma pergunta simples e procedente no Twitter: como o euro pode subir se a crise é europeia? Ele subiu tanto quanto o real. Valorização da moeda não é atestado de saúde, mas os economistas concordam que é contraditório. A queda do dólar em relação a várias moedas faz sentido; os EUA estão em crise, e o Banco Central jogou muito dólar na economia nas últimas duas rodadas de expansão monetária. Mas e o euro? O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, admite que é difícil de entender: "A dinâmica do mercado tem uma lógica confusa. Se o risco é iminente, o euro sofre; se o problema é postergado, continua-se apostando na moeda. Uma das razões é que os juros europeus subiram duas vezes este ano. Os americanos, continuam zerados. "

O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores, também aponta esse mesmo motivo: "Os juros sobem, o investidor olha para o curto prazo e pensa em como ganhar dinheiro. Isso aumenta a rentabilidade para quem aposta no euro. Ele compra a moeda e investe em países que estão saudáveis."

Alexandre Maia, da Gap Asset, acha que a explicação está na força da Alemanha: "A Alemanha é que está melhor entre os países desenvolvidos. Se você comparar a situação dela com Estados Unidos, França, Inglaterra vai perceber que ela está muito bem, com crescimento maior e dívida e déficit menores. Então, no fim das contas, a Alemanha acaba sendo a garantia para o euro."

Senna acha que a ideia em si de criar uma federação de países com a mesma moeda, apesar de terem níveis de desenvolvimento, indicadores e parâmetros diferentes, nunca fez sentido. Mas agora o euro já existe e o Banco Central Europeu (BCE) tem de conduzir uma política monetária que afeta a todos, apesar da situação desigual entre eles. Olha só a confusão: o BCE sobe os juros para evitar a inflação em alguns países, mas o faz quando a maioria das economias da região está em recessão. Isso valoriza o euro. O que piora a situação. Se ao menos o euro se desvalorizasse, eles poderiam aumentar a capacidade de exportar.

Enquanto a Europa fica imersa nessas contradições, o transatlântico se aproxima do iceberg. A Grécia terá uma moratória. Aquela dívida é impagável. Outros países a seguirão. Os bancos passaram por uma auditoria, os "testes de stress", e oito foram reprovados: não sobreviveriam se o pior cenário ocorresse. Mas o fato é que o pior cenário previsto nos testes já foi superado pela realidade. O que acontece numa zona monetária quando os países começam a dar calote?

Uma possibilidade é alguns países saírem do euro e voltarem a ter suas próprias moedas. Esses países terão mais crise, mais incapacidade de pagar suas dívidas. Outra possibilidade é aprofundar o compromisso com a moeda comum. A União Europeia, sob o comando da Alemanha, terá de garantir a dívida desses países periféricos. Mas novas regras de austeridade terão de ser impostas para evitar sucessivos salvamentos. Isso levará a corte de privilégios, vantagens, empregos públicos. Se o país em questão não aceitar? A UE, leia-se Alemanha, teria de intervir nesse país, impondo remédios amargos. Seus eleitores podem não estar dispostos a perder soberania nacional. A alternativa é implodir a Zona do Euro. Impensável. Os países não teriam coragem de puxar o pino da granada e destruir o edifício que vem sendo construído no continente.

A Alemanha está se recuperando mais rapidamente pelas suas virtudes. Fez um ajuste das contas públicas, até porque entrou no euro depois de ter passado pelo choque de unir suas duas partes. Os outros países tinham mais tolerância com o descontrole do gasto público. Os juros baixos que todos passaram a ter, por causa da união monetária, incentivou a formação de bolhas. Agora a conta chegou.

A Alemanha já recuperou tudo o que perdeu na crise em termos de produto, já está na frente do nível pré-crise em empregos. É o único país de onde pode vir o socorro para o continente. Portanto: olhos em Berlim.

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