sexta-feira, julho 08, 2011

MÁRCIO G. P. GARCIA - O que faz o BNDES?

O que faz o BNDES?
MÁRCIO G. P. GARCIA
VALOR ECONÔMICO - 08/07/11

O esdrúxulo envolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na disputa corporativa entre multinacionais francesas, pela rede de supermercados Pão de Açúcar, mostrou que o banco está muito afastado de sua missão original. Afinal, que papel ele cumpre hoje?

O papel do BNDES deveria ser o de complementar o setor financeiro privado, compensando "falhas de mercado". Trata-se, em tese, de apoiar empresas que não teriam acesso a capital, em condições razoáveis, para viabilizar seus investimentos produtivos. Dado o atual estágio de desenvolvimento do sistema financeiro nacional, bem como o grande interesse de instituições financeiras internacionais em financiar empresas no Brasil, o foco desse banco deveria ser, predominantemente, pequenas e médias empresas. O apoio a setores estratégicos e à inovação tecnológica também se constituiriam em objetivos adicionais. No entanto, para apoiar iniciativas inovadoras e empresas excluídas dos mercados financeiro e de capitais privados, não haveria necessidade das centenas de bilhões aportados pelo Tesouro Nacional (TN) ao BNDES nos últimos anos.

As centenas de bilhões que permitiram ao BNDES mais que dobrar o volume de empréstimos foram destinadas, sobretudo, ao financiamento de grandes empresas, quase todas com amplo acesso a recursos alternativos, quer no mercado nacional, quer no internacional. A razão pela qual recorrem ao banco pouco tem a ver com a impossibilidade de obter créditos no mercado privado, mas sim com os gordos subsídios providos pelas linhas de financiamento do banco estatal.


Ao contrário de sua função original, de complementar os mercados financeiro e de capitais, a ação do BNDES hoje é, principalmente, a de alocar subsídios entre as empresas ungidas por suas escolhas de vencedores. Esse banco possui, indubitavelmente, um corpo técnico excelente. Não obstante, qualquer escolha de vencedores feita entre quatro paredes tende, no longo prazo, a assegurar resultados piores para o crescimento econômico do que a competição entre as empresas em mercado. Se houvesse Microsoft s, Googles ou Facebooks em gestação no Brasil, será que o BNDES saberia como os identificar?

Assim, seus recursos concentram-se nas maiores empresas, que representam os melhores (porque menores) riscos de crédito do mercado. A concentração das maiores e melhores empresas, no portfólio de créditos do banco estatal, inibe o desenvolvimento do sistema privado de crédito. Além disso, a dimensão do BNDES, que aloca cerca de um quarto de todo o crédito da economia brasileira, e cujo tamanho vem aumentando, dificulta cada vez mais a transição para os mecanismos normais de mercado.

Durante a crise, é certo, o BNDES e os demais bancos estatais cumpriram importante papel ao impedir a contração abrupta do crédito ao setor produtivo. Mas eles poderiam voltar a cumprir tal função, em eventual nova crise, mantendo o tamanho que tinham. A enorme expansão registrada nada tem a ver com a crise, exceto como justificativa.

Outro problema causado pelo agigantamento das linhas de crédito do BNDES e dos demais créditos direcionados (habitacional e rural), foi oportunamente levantado, ontem, neste mesmo espaço, por Alexandre Schwartsman ("Sobre jabutis e jabuticabas", Valor Econômico, 7/7/2011, página A13). Como mais de um terço do crédito do país é concedido a taxas subsidiadas, que não variam com a taxa Selic, a política monetária perde tração. Por isso, para conter pressões inflacionárias, a taxa Selic é mais alta e tem que subir muito mais do que subiria normalmente. Enfim, reclamamos muito, e com razão, de juros tão altos e da precariedade do crédito privado de longo prazo. Contudo, as políticas públicas, sob a justificativa de mitigar tais problemas, acabam por agravá-los e estendê-los no tempo.

A expansão parafiscal associada aos empréstimos do BNDES vem, sim, dificultando o combate à inflação. Os investimentos financiados gerarão capacidade produtiva, quando completos. Mas enquanto não estiverem prontos, geram demanda, impulsionando a inflação para cima. Não quero dizer que, por isso, os investimentos não devam ser financiados. Mas é imprescindível que tais impactos sejam levados em conta. Aparentemente, nem o principal interessado, o Banco Central (BC), se dá conta disso. Em seu recente Relatório de Inflação, no box "Impulso Fiscal", o BC sequer menciona o impulso parafiscal oriundo dos empréstimos do BNDES.

Não menos importante é o aspecto de transparência das operações. Como se sabe, os empréstimos do TN ao BNDES são realizados a taxas próximas da TJLP, hoje em 6%, menos da metade da Selic (12,25%). Esse subsídio não aparece devidamente explicitado, o que prejudica em muito a transparência. O subsídio é um gasto público, e deveria entrar, explicitamente, no orçamento da União. Na forma atual, o subsídio aparece apenas mesclado à enorme conta de juros (mais de 6% do PIB). A culpa pela elevada conta de juros, por sua vez, costuma ser atribuída exclusivamente ao BC, que fixa a taxa Selic. No entanto, por conta dos subsídios e da acumulação de reservas internacionais, a taxa de juros implícita da dívida pública líquida está em cerca de 17%, bem acima da Selic.

Tais custos fiscais não são apreciados pelo Congresso e pela sociedade civil. A iniciativa de se incluir na LDO os empréstimos do Tesouro ao BNDES e ao Fundo Soberano vai no sentido correto e seria bom que prosperasse.

Além disso, as principais operações do BNDES deveriam ser de conhecimento público. Atualmente, o sigilo bancário impede que tais informações sejam divulgadas. Mas isso precisa ser mudado. Quem recebe o subsídio do banco deveria ser obrigado a abrir mão do sigilo, assim como um cidadão inscrito no programa Bolsa Família tem seu nome incluído em cadastro público. Ambos recebem dinheiro público.

Para que o BNDES continue a cumprir o papel que dele se espera no fomento ao desenvolvimento do país, é necessário que atue com mais transparência e se submeta ao escrutínio público.

Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio

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