segunda-feira, julho 18, 2011

LUIZ FELIPE PONDÉ - A tentação totalitária



A tentação totalitária
LUIZ FELIPE PONDÉ 
Folha de SP – 18.07.2011

Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do “bem total”, depois você vira autoritário em nome dele


VOCÊ SE considera uma pessoa totalitária? Claro que não, imagino. Você deve ser uma pessoa legal, somos todos.

Às vezes, me emociono e choro diante de minhas boas intenções e me pergunto: como pode existir o mal no mundo? Fossem todos iguais a mim, o mundo seria tão bom… (risadas).

Totalitários são aqueles skinheads que batem em negros, nordestinos e gays.

Mas a verdade é que ser totalitário é mais complexo do que ser uma caricatura ridícula de nazista na periferia de São Paulo.

A essência do totalitarismo não é apenas governos fortes no estilo do fascismo e comunismo clássicos do século 20.

Chama minha atenção um dado essencial do totalitarismo, quase sempre esquecido, e que também era presente nos totalitarismos do século 20.

Você, amante profundo do bem, sabe qual é? Calma, chegaremos lá.

Você se lembra de um filme chamado “Um Homem Bom”, com Viggo Mortensen, no qual ele é um cara legal, um professor universitário não simpatizante do nazismo (o filme se passa na Alemanha nazista), e que acaba sendo “usado” pelo partido?

Pois bem. Neste filme, há uma cena maravilhosa, entre outras. Uma cena num parque lindo, verde, cheio de árvores (a propósito, os nazistas eram sabidamente amantes da natureza e dos animais), famílias brincando, casais se amando, cachorros correndo, até parece o Ibirapuera de domingo.

Aliás, este é um dos melhores filmes sobre como o nazismo se implantou em sua casa, às vezes, sem você perceber e, às vezes, até achando legal porque graças a ele (o partido) você arrumaria um melhor emprego e mais estabilidade na vida.

Fosse hoje em dia, quem sabe, um desses consultores por aí diria, “para ter uma melhor qualidade de vida”.

E aí, a jovem esposa do professor legal (ele acabara de trocar sua esposa de 40 anos por uma de 25 -é, eu sei, banal como a morte) o puxa pelo braço querendo levá-lo para o comício do partido que ia rolar naquele domingão no parque onde as famílias iam em busca de uma melhor qualidade de vida.

Mas ele não tem nenhuma vontade de ir para o comício porque sente um certo “mal-estar” com aquilo tudo. Mas ela, bonita, gostosa, loira, jovem e apaixonada (não se iluda, um par de pernas e uma boca vermelha são mais fortes do que qualquer “visão política de mundo”), diz: “meu amor, tanta gente junta querendo o bem não pode ser tão mal assim”.

É, meu caro amante do bem, esta frase é uma das melhores definições do processo, às vezes invisível, que leva uma pessoa a ser totalitária sem saber: “quero apenas o bem de todos”.

Aí está a característica do totalitarismo que sempre nos escapa, porque ficamos presos nas caricaturas dos skinheads: aquelas pessoas, sim, se emocionavam e choravam diante de tanta boa vontade, diante de tanta emoção coletiva e determinação para o bem.

Esquecemos que naqueles comícios, as pessoas estavam ali “para o bem”.

Se você tem absoluta certeza que “você é do bem”, cuidado, um dia você pode chorar num comício achando que aquilo tudo é lindo e em nome de um futuro melhor.

E se essa certeza vier acompanhada de alguma “verdade cientifica” (como foi comum nos totalitarismos históricos) associada a educadores que querem “fazer seres humanos melhores” (como foi comum nos totalitarismos históricos) e, finalmente, se tiver a ambição política, aí, então, já era.

Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo.

O que move uma personalidade totalitária é a certeza de que ela está fazendo o “bem para todos”, não é a vontade de destruir grupos diferentes do dela.

Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do “bem total”, depois você vira autoritário em nome desse bem total.

O melhor antídoto para a tentação do totalitarismo não é a certeza de um “outro bem”, mas a dúvida acerca do que é o bem, aquilo que desde Aristóteles chamamos de prudência, a maior de todas as virtudes políticas.

Não confio em ninguém que queira criar um homem melhor.

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