sábado, julho 23, 2011

JORGE BASTOS MORENO - NHENHENHÉM - A tosse

A faxina não tem limite

JORGE BASTOS MORENO - NHENHENHÉM
O GLOBO - 23/07/11

BRASÍLIA

Depois de seis meses e 29 dias contados em pauzinhos, feito calendário de cadeia, o ministro do Turismo, Pedro Novais, e eu fomos chamados ao Palácio para darmos explicações sobre nossas saliências. Como primeiro “blogueiro limpo” do governo, fui recebido, com pompas e circunstâncias, no palácio residencial do Alvorada, para um jantar. Não tinha visto ainda o Alvorada depois da reforma. Fiquei embasbacado, ao ponto de a anfitriã, a presidente Dilma, comentar:

— Você está parecendo a filha pequena do Obama, que disse uma coisa bonita ao entrar aqui. Ela não disse Palácio, disse casa: “Esta é a casa mais bonita que já vi na minha vida. Achei lindo!”

Fui fantasiado de repórter: gravador, bloco de papel, iPhone 4 e até caneta. Pensei: vai que num dia cheio como hoje, em que recebeu e negou-se a receber tanta gente, a presidente resolve falar. Suei frio só de pensar que ela quisesse me falar dessa maldita política industrial e, aí, eu tivesse de trabalhar. 

Mas a Dilma estava furiosa era com a Norma Pimentel Amaral. 

— Estou detestando a Norma! Não gosto do que ela faz, do seu jeito de agir. Passei a ter certeza de que, se a Norma Pimentel fosse do Dnit, já tinha sido afastada.

Aliás, quando eu estava chegando ao Alvorada, recebi um torpedo do diretor de Redação do GLOBO, Rodolfo Fernandes, assim: 

“Pergunta até onde vai a faxina?”

Ora, fui chamado para jantar na intimidade do poder só porque não sou desses repórteres chatos que querem saber de tudo. Eu só quero comer de tudo. A Dilma tinha preparado um banquete para mim, e não ficava bem eu incomodála. Mas chefe é chefe, e tive que cumprir a missão — Presidente, por mim, não tocava nesse assunto chato, mas o Rodolfo Fernandes me mandou perguntar até onde vai a faxina —- perguntei, tremendo de medo.

E ela se derreteu:

— Pois diga que o que ele chama de “faxina” não tem essa coisa de limite. O limite é mudar o Ministério dos Transportes. É transformar o Ministério dos Transportes naquilo que é o seu próprio papel: a base da infraestrutura do país. Mas também é bom que todos saibam que não estamos agindo politicamente contra um partido. A ação é sobre pessoas que agiram de forma errada, e nem todas essas pessoas são de um mesmo partido. Isso precisa ser esclarecido. 

Quando eu ia aprofundar o assunto, a presidente foi salva pelo gongo, com a chegada de uma convidada especial do jantar:

— Eu pedi para a ministra Helena Chagas não te avisar que teríamos a presença da sua nova musa: a ministra Gleisi Hoffmann.

E eu, já gaguejando de emoção:

— Eu fui o primeiro a dizer que ela seria ministra, e meus seguidores do Twitter brincaram que a senhora aceitou minha sugestão.

E a presidente:

— Pode espalhar que você que indicou. Eu deixo. E terás tomado uma das melhores decisões da tua vida. Depois disso, nem foi mais preciso eu perguntar se ela chamava a ministra de “a Dilma da Dilma”.

Eis os principais trechos da nossa conversa:

Solidão do poder
Com um governo tão agitado, Dilma diz ainda não ter experimentado a chamada solidão do poder:

— Passei a conviver, isto sim, com a decisão solitária. Presidente da República tem que decidir e ser responsável pela decisão. É o momento grave, importante, que eu tenho comigo mesma. Posso ouvir e ouço, mas a decisão é minha. Essa é a maior responsabilidade do presidente da República: saber decidir. 

— E, nessa hora sagrada, a senhora não pensa, por exemplo, o que fariam seus antecessores diante de situação semelhante? Sendo mais direto, a senhora não pensa se a sua decisão vai agradar ao Lula ou não?

— Olha, a responsabilidade é tão grande que a gente não pensa em agradar ou desagradar. A gente só pensa em tomar a decisão mais justa, mais correta. A responsabilidade é do presidente da República perante a nação. A responsabilidade do presidente da República é intransferível. Não dá para pensar em ninguém. 

Amizade com FH
Eu não ia entrar neste tema, mas foi a própria presidente que invadiu primeiro a minha intimidade. 

— Você tem que se definir entre a Mariana Ximenes e a Manuela D’Ávila — cobrou ela, sobre um assunto que falo mais adiante. Foi a deixa para eu entrar no tema preferido do colunista Nelson Motta:

— A senhora vive o mesmo dilema. Eu soube que o Lula cobra muito da senhora esta sua amizade com FH. Dilma reage no lance, quase pulando da cadeira: 

— Não é verdade! Isso não é verdade! O presidente Lula nunca tratou desse tema comigo, nem em brincadeira! — Diretamente, não. Mas ele já se queixou para terceiros na sua frente. Diante do fato, a confissão inevitável, e às gargalhadas:

— Meu Deus! Como esse Sérgio Cabral é fofoqueiro! Ah, ele me paga! Pode escrever, ele me paga! E já como ré confessa:

— Realmente, o presidente Fernando Henrique é uma pessoa muito civilizada, muito gentil. É uma conversa muito agradável. Tem gente que fica estarrecida com essa convivência, já que temos pensamentos políticos diferentes. 

Exatamente por isso é que as pessoas devem conversar. O governante, o político, não pode ficar limitado ao pensamento do seu grupo. Eu defendo a convivência dos contrários. Há pessoas muito agradáveis e inteligentes no governo e na oposição. Acho que, não só pelo prazer da boa prosa, mas, como presidente da República, tenho o dever de conversar com os diversos pensamentos da sociedade. Eu não sou presidente de um partido ou de uma coligação partidária, eu sou presidente da República.

E eu insistindo:

— Mas o PT não fica com ciúmes do FH?

— O PT já tá bem grandinho para não ter ciúmes de ninguém. Ciúme é um sentimento juvenil, eu acho. Tento mais uma investida, já na saída do encontro: 

— FH diz ter muitas saudades da piscina daqui. Quando ele era presidente, trouxe Lula aqui. Deixa ele tomar banho na piscina daqui, presidente! 

E a presidente, toda faceira, fazendo-se de desentendida:

— Mas neste frio?

Pronto, FH, bem que tentei te ajudar, mas não consegui.

Moda & musa
Dilma quis saber tudo sobre Mariana Ximenes. O gancho foi fácil, mas quase provoca uma briga entre as mulheres: os meus sapatos. Em resposta aos elogios, informei:

— Presente da Mariana Ximenes. Ela pediu para eu usá-los neste jantar. 

— Lindos — comentou a ministra Helena Chagas.

— Ferragamo — identificou Gleisi.

Respondi:

— Caríssimos!

Helena balança a cabeça de vergonha com a minha indiscrição.

Aí, começou a confusão. A Helena Chagas estranhou um sapato com furos, mas sem cadarço. A presidente zombou: — Helena, está na moda esse tipo de sapatos. Eu já vi vários assim, não tão lindos como estes. É chique: sapatos de cadarços sem cadarços.

Política e apoio
A presidente quis saber a diferença de idade entre a Mariana e a Manuela. Chocou-se ao saber que tinham a mesma idade: 30 anos.
— Gente, eu conheci a Manuela menina. As duas não parecem ter essa idade.

Fiz o comercial da Manu:

— E agora a senhora vai vê-la prefeita de Porto Alegre, se o PT deixar. 

— Mas o Tarso Genro me garantiu que vai apoiá-la! (Ah, se o jornal cortar esta parte!)

Fidelidade a Lula
A presidente sabe a data exata em que ela e Lula passaram a conviver com mais intimidade. — O curioso é que ele falava com todo mundo, menos comigo. Não me dava a menor pista de que eu era a escolhida. Hoje nós nos entendemos só com olhar. Não há como tentar nos separar. 

Mesmo assim, eu tento:

— O Lula tá agora em campanha pelo Nordeste. Campanha para quem?

A presidente rebate:

— Lula nasceu no meio do povo. Não imagino o Lula trancado num escritório. Ele é da rua, das praças. Adoro vê-lo beijando as pessoas nas ruas, fazendo um afago na dona Canô e fazendo a festa no Nordeste. 

Os mais queridos

Dilma sobre governadores:

— Tenho uma boa convivência com todos eles, inclusive com os da oposição. Gosto muito, mas gosto muito do Anastasia, por exemplo. E o Téo Vilela, o que é aquilo? Que simpatia, todo manhoso. É difícil não o atender! Eu adoro o Eduardo Campos, adoro a mulher dele, dona Renata. Eu só chamo assim porque o Eduardo Campos só chama ela de “dona Renata”. Ah, deixa eu falar do Jaques Wagner. Meu Deus! Se eu me esquecer do Jaques Wagner, não volto à Bahia. 

Mas o destaque vem mesmo para os meninos do Rio:

— Confesso que, no governo Lula, eu tinha um pouco de ciúmes com o Cabral. Agora deveria ocorrer o inverso: o Lula ter ciúmes do Cabral. Só que Lula também adora o Cabral. Pezão, nem se fala. Pezão é companheiro que todo governante gostaria de ter por perto... — e desanda a falar do vice-governador, chamando-o de “o leão da montanha”, por tê-lo visto trabalhando como louco na tragédia da Serra.

Brinco que, em vez de ciúmes, Maria Lúcia, a mulher de Pezão, fica toda orgulhosa dessa relação. E ela: 

— A Maria Lúcia é um doce de pessoa. Ela sabe, e eu já disse isso pro Pezão, que o marido dela não tem olhos para mim, só para o dinheiro do governo. O Pezão não sabe a cor dos meus olhos. Ele parece a história do Tio Patinhas, que no lugar dos olhos da pessoa só via duas moedas. Ele só sabe pedir e pedir dinheiro. Injustiça a um brasileiro.

Dilma fala com o coração:

— Uma das coisas mais tristes da política é a ingratidão. O exemplo maior é Ulysses Guimarães. Devemos ao esforço dele, à luta dele, o fato de estarmos hoje numa democracia. É muito triste o que fizeram com ele. Foi aí que fiz a minha primeira provocação contra o principal aliado, o PMDB:

— Fizeram isso com ele e farão com a senhora. Aliás, já fizeram: tiraram a senhora e ele do programa de TV. Eu disse ao seu vice que o doutor Ulysses, nesse veto, estava em boa companhia. E a presidente, tampando a boca como se estivesse surpresa e docemente constrangida:

— Você falou isso para o vice-presidente?

A presidente disse que os ensinamentos políticos de Ulysses Guimarães nunca perderão a atualidade. E lembrou uma de suas famosas frases: “O corrupto suja a denúncia que faz. Quando aponta o erro, não quer justiça, quer cúmplice.”

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