Itamar revisto
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 06/07/11
Ele foi tão nítido que não é possível atribuir à falta de informação o tratamento pejorativo que lhe foi dadoO TEOR DO TRATAMENTO dado a Itamar Franco em sua morte pelos meios de comunicação contrastou com o dado ao presidente, ao homem público e à pessoa Itamar Franco. Não, porém, por força da usual benevolência, especialmente pedida pelos costumes brasileiros, para com as características e a biografia dos recém-mortos. Mas por Itamar Franco ter sido um dos homens públicos mais injustiçados, senão o mais, pelos meios de comunicação em nosso tempo pós-regime militar. Com tardia e parcial reparação.
Itamar Franco foi tão nítido, desde sua emergência nacional ao assumir a Presidência, que é impossível atribuir à falta de informação, ou percepção insuficiente, o tratamento sempre pejorativo que lhe foi dado, com frequente recurso a distorções sem limites. Neste último caso, é suficiente lembrar o achincalhe de que foi vítima por motivo de uma cena da qual não teve nem sequer conhecimento, na ocasião, impossibilitado de ver que a moça chegada a seu lado, no alto do palanque, se oferecia sem calcinha aos fotógrafos.
O rigor ético cobrado aos presidentes, com tantas frustrações, foi praticado por Itamar Franco sem necessidade de cobrança e sem reconhecimento maior, quando houve algum, do que o dado às atitudes comuns. Seu sentido de serviço público do poder não cedeu, em nenhum momento, a um desejo pessoal. Pouco é sabido que Itamar não deixou suas filhas aceitarem as oportunidades salariais e profissionais ofertadas, não em pequeno número. Se feita, a propósito, uma comparação com quem é incensado, seria farta a matéria-prima para escândalo.
Itamar Franco cometeu, de fato, um pecado sem perdão entre nós: jamais vestiu a personagem de presidente da República. Respeitou todo o protocolo e a etiqueta do cargo, não faltou jamais com a hombridade e a dedicação ao dever presidencial, mas sempre com a naturalidade de uma pessoa e não com a artificialidade do adendo a um hipotético pedestal. Um tipo impróprio para os palácios de Brasília, portanto. E irreconhecível pelas fontes de reverência à riqueza e ao poder.
Foi tratado como piada, como idiota -assim chamado, mesmo quando presidente, em uma (ex-)coluna da Folha. E como pouco ilustrado, que estava longe de ser, e como incapaz, o que suas administrações e a atividade de engenheiro deixaram desmentido. Não bastou, porém, serem desprezadas as qualidades da pessoa e do homem público. Os fatos sofreram a mesma ação.
O cruzado não foi feito por seus autores André Lara e Pérsio Arida nem pelo ministro Dilson Funaro: "o cruzado do Sarney" segue a lógica das presidências e dos anais. O real também não foi feito por seu criador André Lara, com contribuições de Pérsio Arida. E, acima de tudo, nunca foi "o real do Itamar", ao menos "o real do governo Itamar".
O combate demolidor à inflação foi ideia fixa de Itamar Franco desde assumir a Presidência. Sofreu com a dispensa de seu competente amigo Paulo Haddad por querer um ministro da Fazenda mais impetuoso na pressa e nas medidas. Gustavo Krause não aguentou sua pressão por um plano anti-inflacionário. Elizeu Rezende, experiente de governos e outro amigo, foi afastado com duas semanas por ter contestada a capacidade para a reviravolta. Mas nem a determinação decisiva foi atribuída a Itamar, até o dia da morte.
Itamar resistiu, Itamar cedeu, Itamar foi convencido -é o que está em quase 20 anos de afirmações ao público. O que não quer dizer que os meios de comunicação fossem, necessariamente, os inventores, e não só propagadores, dessas e de todas as outras impropriedades. Nem das inúmeras maldades disfarçadas de piadas. Vaidade e ambições deram contribuição determinante para induções deformadoras e injustas nos meios de comunicação.
Será bom se as pequenas e pontuais reparações de justiça, na hora final de Itamar Franco, servirem para alguma coisa no futuro.
P.S.: O artigo acima não foi publicado ontem por impossibilidade de transmissão no tempo hábil, dada a falta de energia da Light, agora dedicada a explosões de bueiros e tampões pelo Rio afora.
Parabens Janio de Freitas! Que pena que isso tudo seja reconhecido só após a sua morte. A Simplicidade dele não permitiu inclusive que tomassemos conhecimento das filhas dele que nunca apareceram nem levaram vantagem nenhuma. Hoje os papais roubam deixam roubar e colocam fortunas no nome dos filhos. Isso se tornou norma e vergonha nacional
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