terça-feira, julho 05, 2011

ILAN GOLDFAJN - Excesso de endividamento


Excesso de endividamento
ILAN GOLDFAJN 
O Globo - 05/07/2011

Há razoável consenso de que houve excessos durante a crise financeira internacional, que geraram várias consequências deletérias na economia. Mas o problema principal é o excesso de endividamento. Esse processo de reduzir as dívidas, que o mercado chama também de desalavancagem, já começou. Os endividados estão pagando sua dívida e o sistema financeiro concedendo crédito com mais rigor. Porém, para pagar as dívidas, é necessário reduzir o consumo. É a direção correta, mas exacerba o problema no curto prazo, pois reduz a demanda que impacta a produção e o emprego.

Se o processo de desalavancagem for muito rápido pode levar a uma recessão profunda. Para evitá-la, a tendência natural dos envolvidos, inclusive dos governos, tem sido tentar suavizar o processo. Além de implementar políticas monetárias (juro zero) e fiscais expansionistas, transfere-se a dívida dos excessivamente endividados para os outros. Assim, na medida em que se alivia a pressão sobre os excessivamente endividados, diminui-se a velocidade do ajuste custoso (e necessário) na economia.

A transferência mais comum é a do setor privado para o setor público. Há vários mecanismos, diretos e indiretos, pelos quais essa transferência é efetuada. Um deles é a intervenção dos governos no sistema financeiro para evitar quebras e corridas bancárias que aprofundem a recessão. Outro é a compra de ativos depreciados no mercado pelos bancos centrais (que incham e pioram a qualidade dos seus balanços). A emissão de dívida para resgatar os bancos, assim como a aquisição de ativos problemáticos, eleva a dívida bruta dos governos.

Troca-se dívida por outra. Desde que os novos devedores tenham capacidade de absorver este novo ônus, há alívio para a economia, pelo menos no curto prazo. Mas os novos devedores às vezes não têm essa capacidade, como ficou claro em vários países periféricos da Europa.

Outro tipo de transferência ocorre entre países. Economias com alta poupança (superavitários, como a China) têm sido "convocadas" para adquirir dívidas dos países com endividamento excessivo. Além disso, há pressões para que países menos endividados venham a se tornar deficitários (ou menos superavitários), de forma a ir acumulando dívidas (ou diminuir seu ativo), para compensar o processo de desalavancagem dos excessivamente endividados. Uma manifestação dessas pressões (neste caso, de mercado) é a depreciação do dólar e apreciação das outras moedas, que tende a pressionar os balanços de pagamento na direção de suavizar o processo de desalavancagem.

Esse processo de desalavancagem (redução do endividamento excessivo) é um processo longo, de vários anos, possivelmente décadas, em que quebras privadas e públicas são possíveis.

De fato, há evidências de que uma recessão após uma crise financeira tende a ser mais longa e custosa (vejam o ótimo livro de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, "This time is different"), e é seguida de crises soberanas (quebras dos governos). Haverá perda de produto de forma permanente, além de um possível aumento da taxa de desemprego natural (aquela que não será revertida mesmo com a retomada econômica). Além disso, a taxa de crescimento potencial será reestimada em várias das economias afetadas.

Pode ser uma forma de defesa, mas os mercados resistem a encarar esta nova e dura realidade. As bolsas de valores ficaram mais voláteis, ciclotímicas. Quando a economia cresce um pouco há ânimo total, quando desacelera volta-se a falar no risco de recessão. Os analistas e o mercado ainda resistem a encarar o novo futuro, aquele com um crescimento menor e desafios maiores.

Não está claro ainda como a economia mundial irá solucionar seu problema de excesso de endividamento ao longo do tempo. Uma amortização muito acelerada das dívidas pode levar a uma depressão e deflação, piorando tudo. Para suavizar o processo, tem havido transferências de dívidas, algumas mais bem-sucedidas que outras. Mas temos de ter em mente que há também o risco do contrário: exagerar na suavização do processo impedindo o ajuste necessário e a resolução do problema.

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