Desembarque dos capitais
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 27/07/11
Em economia, como em tanta coisa na vida, o maior problema não é a mentira. É o autoengano.
E foi notável o autoengano de tantos analistas econômicos que previram problemas graves no desempenho das contas externas do Brasil em 2011. Eles entenderam que a tendência ao mergulho das cotações do dólar no câmbio interno, conjugado com a grave recessão mundial, perturbaria o fechamento das contas com o resto do mundo e traria dificuldades para a cobertura do déficit em Conta Corrente.
O próprio Banco Central, por exemplo, previa, na virada do ano passado para este, que o saldo comercial (diferença entre exportações e importações) não passaria dos US$ 11 bilhões em 2011. O mercado, auscultado pela Pesquisa Focus, do Banco Central, não fazia conta muito diferente. Projetou um superávit comercial de apenas US$ 8,8 bilhões. E, no entanto, somente no primeiro semestre, ficou registrado um saldo comercial positivo de US$ 13 bilhões - que, provavelmente, saltará no ano inteiro para alguma coisa entre US$ 30 bilhões e US$ 35 bilhões.
Em engano semelhante incidiram os analistas que pré-calcularam o afluxo do Investimento Estrangeiro Direto (IED) para 2011. Com todas as informações privilegiadas de que dispõe, o Banco Central iniciou o ano prevendo que a entrada líquida do IED, nos 12 meses terminados em dezembro deste ano, não passaria dos US$ 45 bilhões. O mercado trabalhou com números algo diferentes, mas igualmente errados: US$ 40 bilhões.
As exportações vêm surpreendendo graças à alta das commodities agrícolas e minerais. Já o impressionante comportamento do IED fica mais difícil de explicar. É provável que, neste ano, ultrapasse os US$ 70 bilhões. E é verdade que a economia brasileira está no foco dos investidores internacionais que, nesta temporada de baixos resultados da economia global, dispõem de um leque de opções mais estreito para aplicação de seus recursos.
Mas isso não explica tudo. Um bom grupo de economistas adverte que uma generosa fatia do IED de 2011 não passa de aplicação disfarçada em renda fixa. Desembarcam caracterizados desse modo somente para evitar os 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) com que estão sendo taxadas as aplicações de estrangeiros em renda fixa. Segue-se que as autoridades deveriam policiar melhor a entrada desses recursos, com o objetivo de evitar a excessiva oferta de dólares no câmbio interno e a subsequente valorização do real, que tira competitividade do produto brasileiro.
Ontem, o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, desautorizou esse diagnóstico. Avisou que o Banco Central não vê nada de especialmente errado no afluxo de dólares em IED.
Enfim, não se confirmaram as previsões pessimistas a respeito do desempenho da área externa da economia brasileira neste ano. Duas são as consequências práticas: a primeira é a de que a economia brasileira continua encontrando cobertura de boa qualidade (e não capitais de curtíssimo prazo) para os resultados negativos nas Contas Correntes; a outra é a de que ainda não se vê, no horizonte, reversão da tendência à valorização do real.
CONFIRA
Reajuste à vista
O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, avisa que os preços da gasolina podem ser reajustados. Ele argumenta que a produção interna já não está dando conta do consumo e que é preciso importar. Muito provavelmente, a verdadeira razão é evitar uma maior deterioração do caixa da Petrobrás, que já está prejudicando os cronogramas de investimento.
Confira na ata
Amanhã sai a ata do Copom. Diante do que disse Gabrielli, o Banco Central já não poderá repetir, como um mantra, que não estão previstas alterações nos preços da gasolina e do gás de cozinha.
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