sábado, junho 25, 2011

WALTER CENEVIVA - Índios na Carta Magna e na vida

Índios na Carta Magna e na vida
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 25/06/11 

No passado, é evidente que houve o esbulho de terras, mas o limite da Constituição de 1988 é a base da garantia


UMA CHAMADA na primeira página da Folha nesta semana me recordou a importância permanente do índio no confronto entre os que pensam no aproveitamento útil das terras e os que defendem o direito próprio dos silvícolas. Para o direito nacional, a discussão tem por base terras que os índios ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando aprovada a Constituição.
Ao contrário do que geralmente se pensa, a expressão "terra indígena" não se refere a propriedade de caciques, tribos ou índios, mas a área integrada ao patrimônio da União (art. 20, inciso XI, da Carta), com obrigação de preservar a posse dos silvícolas que tradicionalmente a ocupavam naquele outubro. Que ali tinham sua habitação, caça, pesca e deambulação, assim caracterizando a habitualidade, inspiradora do legislador. A União teve cinco anos para comprovar a tradição da posse.
Bom estudo recente de meu conhecimento sobre o problema indígena, publicado em livro, é de Luiz de Lima Stefanini, tirado em separata da "Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região" (n. 105, janeiro/fevereiro, 2011, 246 págs.). O volume traz, em apêndice, o voto exemplar do ministro Carlos Ayres Britto, no STF, na demarcação da terra Raposa/ Serra do Sol.
José Renato Nalini, no prefácio, recorda que navegantes e exploradores europeus usurparam áreas continentais aos donos da terra. Eram peles vermelhas norte-americanos, astecas, maias, incas centro e sul-americanos, mais tupis e tapuias deste lado do Atlântico. Nalini assinala a qualidade do "minucioso retrospecto da normatividade incidente sobre as terras indígenas" na manifestação judicial de Stefanini, em que define a "integridade étnica das populações aqui encontradas pelos colonizadores". No passado, deixa bem evidente que houve o esbulho de terras indígenas, mas o limite temporal da Constituição -5 de outubro de 1988- é a base da garantia.
Stefanini, além de cuidadoso exame dos aspectos jurídicos, recompõe o perfil histórico da ocupação, para sustentar a existência e a aplicabilidade do direito indígena como um direito social, no avançar os dados de sua proteção patrimonial.
Discute aspectos relevantes da indisponibilidade dos direitos indígenas, até chegar ao art. 231 da Constituição, onde situa o reconhecimento de organização social, dos costumes, línguas, crenças e tradições dos índios e de seus direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Interpreta o parágrafo 1º do dispositivo, ao definir a tradicionalidade quando detectada a ocupação de terras "habitadas em caráter permanente" por índios e usadas para atividades produtivas.
A habitualidade é o centro da discussão, pois a Carta Magna diz (parágrafo 6º do artigo) nulos e extintos os atos de ocupação por não índios, quando ausentes domínio e posse das terras, a que se refere o dispositivo. A mesma excludente se aplica à exploração da riqueza natural do solo, de rios e lagos nele existentes, ressalvado o relevante interesse da União.
Quer o leitor tenha posição contrária, quer favorável à população indígena em face do agricultor ou do minerador não índio, a leitura de Stefanini será certamente profícua, pela informação ampla, tanto no espaço da história quanto no direito aplicável.

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