terça-feira, junho 21, 2011

MIRIAM LEITÃO - Absoluto e relativo

Absoluto e relativo
MIRIAM LEITÃO 
 O Globo - 21/06/2011

O Brasil passou ontem, na medição da Moody"s, a ter uma nota melhor do que a da Irlanda, país que recentemente precisou de socorro da Europa e do FMI. Ainda está seis degraus atrás de Espanha e Itália, que estão com problemas, como se sabe. A nota do Brasil devia ser melhor. Mas as contas brasileiras também deveriam ser mais sólidas, levando-se em conta o bom momento da economia do país.

Em resumo, o Brasil é melhor do que dizem as notas das agências de classificação, se olharmos como outros países são classificados. Mas não estamos tão bem quanto poderíamos estar. Se o Brasil olhar para o lado, ele está relativamente muito melhor do que inúmeros outros países, até porque eles pioraram. Mas o Brasil fecha todo ano com déficit fiscal de 2,5% do PIB, apesar de as receitas terem crescido 15,76% em 2010; tão esquisito quanto uma pessoa fechar no vermelho no mês em que tem um grande aumento de salário.

As agências vivem errando, mas são inevitáveis. Por mais que cometam erros, tenham critérios estranhos, o mercado financeiro internacional e os reguladores se guiam por elas para fazer ou permitir investimentos. O Brasil é investment grade, ou seja, país considerado bom investimento. Mas para vocês terem uma ideia da esquisitice, até julho do ano passado o governo grego tinha avaliação de risco melhor do que a do Brasil, apesar de já ter sido socorrido por um empréstimo que era de 50% do seu PIB. Obviamente as notas estavam erradas: a deles e a nossa.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, avalia que a melhora do Brasil também se deve à piora dos outros, ou seja, relativamente estamos melhores. Mas ela lembra que a dívida bruta do Brasil pela metodologia antiga é de 64% do PIB. Pela nova metodologia, adotada desde 2007, é de 56% em abril de 2011. A nova não conta os títulos emitidos pelo Tesouro mas que estão em carteira do Banco Central, só registra o que o governo de fato deve ao mercado e aos financiadores da sua dívida.

O governo gosta de usar o conceito de dívida líquida que diminui os ativos que ele tem e o que tem a receber. A dívida líquida é de 39,8% do PIB. Mas esse é um conceito mais difícil de comparar com outros países, porque os critérios de cada um são diferentes. Além disso, o Tesouro tem se endividado para transferir dinheiro para o BNDES, e isso não entra na conta porque supostamente é um empréstimo e o BNDES um dia pagará ao Tesouro. Ninguém acredita que isso seja "empréstimo".

Monica acha que há uma informação não exatamente numérica que acaba entrando na avaliação de risco:

- Se formos comparar o Brasil com a Espanha, não temos a mesma educação que eles; nós decretamos moratória, e eles, nunca; nós tivemos hiperinflação. Tudo isso pesa. O Brasil no seu melhor momento tem déficit de 2,5% do PIB.

Raphael Martello, da Tendências consultoria, explica que a Irlanda ainda é grau de investimento, apesar do socorro que recebeu do FMI, porque nas últimas décadas o governo fez um forte ajuste fiscal e reduziu bastante a dívida pública:

- A Irlanda tinha posição fiscal muito boa, que só se deteriorou por causa da crise bancária decorrente da crise americana. Eles tiveram que resgatar bancos e isso aumentou muito a dívida pública. É um problema de liquidez. O país fez um enorme dever de casa e isso não vai desaparecer do dia para a noite. A Irlanda não é um país gastador.

De fato, a Irlanda fez um enorme esforço de trazer a dívida de mais de 100% do PIB para menos de 30%, mas a crise catapultou a dívida de volta para 95%. E o que as notas teriam que refletir é a capacidade atual de pagar, e não o histórico. O Brasil tem uma história cheia de problemas, mas desde a estabilização isso vem mudando. Irlanda, Portugal, Espanha podem virar a bola da vez, assim que a Grécia decretar moratória, negociada ou não. A Grécia estava melhor do que o Brasil há um ano e hoje está na pior nota que algum país pode ter, Caa1. Não ficou assim de repente. Faltou capacidade de análise e previsão às agências de risco. Elas constatam fato consumado e só conseguem seguir aquele ritual demorado. Um país que tem uma piora súbita vai descendo degrau a degrau; um país que melhora consistentemente sobe devagar. E por isso estamos com pior nota do que Portugal, o que evidentemente não reflete os fatos.

O Brasil poderia estar melhor do que está porque é um bom momento, o país cresce, as receitas aumentam mais do que o PIB, a carga tributária sobe. O governo deveria ser capaz de pagar todas as contas e fechar em equilíbrio. Tem feito superávit primário e mantido a dívida com tendência de queda, mas poderia ter como objetivo o déficit zero. É rudimentar pensar que as contas estão bem porque os outros países pioraram muito. Melhor seria perceber que essa é a hora de zerar o déficit, exatamente para que se algum imprevisto ocorrer no futuro o país possa enfrentá-lo com elevação de gastos.

Por outro lado, a Moody"s elevou o risco do Brasil para o nível do Cazaquistão e das Ilhas Maurício e continuamos perdendo de países europeus que podem estar na fila de reestruturação da dívida se a Grécia declarar moratória.

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