Nó no pescoço
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 24/06/11
Sou velho o bastante para me lembrar do tempo em que o uso de terno e gravata era um indicador de posição na pirâmide social — um símbolo de status. Era assim no Hemisfério Norte, logo teria de ser do mesmo jeito do Equador para baixo. E a primeira gravata, na classe média em que eu morava, anunciava que se aproximava o começo da vida adulta.
Não esqueço a minha estreia no mundo das gravatas, ainda acompanhadas das calças curtas — de laço feito, claro, já que a habilidade de dar o laço no pescoço só vinha com o ingresso na adolescência, dos 15 anos em diante. Para os mais velhos, era indício de status e elegância usar o laço Windsor (tenho quase certeza de que tinha alguma coisa a ver com o duque de Windsor, sabidamente o homem mais elegante do Hemisfério Ocidental).
Meu primeiro emprego foi na falecida “Tribuna da Imprensa”. O jornal ficava na Rua do Lavradio. Era quase um pardieiro, quente até no inverno (ar-condicionado, só na sala do patrão), mas todo mundo trabalhava engravatado — exceto, naturalmente, as duas ou três mulheres que eram a quota costumeira nas redações daquele tempo: as bonitinhas que faziam a página feminina e as feiosas que cobriam alguma repartição pública. Era assim em todos os jornais, e ninguém perdia tempo reclamando do calor. “Aquecimento global” era uma expressão que só seria inventada muito depois. Ele já tinha começado, mas ninguém sabia disso.
Hoje, as gravatas são minoria nas redações e em quase toda parte. Aos poucos, sem que o assunto merecesse qualquer discussão, os cariocas descobriram duas coisas: que habitam uma cidade tropical e que um pedaço de pano preso ao pescoço não é parte obrigatória da roupa que se usa no trabalho. Em quase todas as profissões, usa gravata quem quer, e ninguém dá importância a isso.
Perdão: quase ninguém. Em Brasília, o Conselho Nacional de Justiçaacaba de recusar permissão à Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro para que seus membros possam dispensar paletó e gravata nos tribunais do estado durante o verão. Para os conselheiros, cabe aos próprios tribunais decidir a questão e, pelo visto, os juízes não abrem mão de paletó e gravata para quem tiver causas a defender em sua presença. Há dois anos, a OAB dispensou seus membros do nó no pescoço durante o verão, mas os tribunais mantiveram a exigência, agora com apoio doCNJ.
É direito, e até obrigação, dos juízes exigir que pessoas se vistam decentemente para merecer entrada nos tribunais. Não seria concebível, por exemplo, aceitar bermudão e sandália de dedo em quem pretende ser levado a sério pela Justiça. Mas ninguém precisa de terno e gravata para, por exemplo, ir a uma igreja. Num tribunal, qualquer cidadão deve se vestir e se comportar com absoluto respeito pela instituição. Não é o tal nó no pescoço que garante isso.
No Parlamento israelense é comum, no verão, a frequência dos titulares sem gravatas e em mangas de camisas. E, com certeza, funciona melhor que o nosso!
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