sábado, junho 18, 2011

FABIANO ANGÉLICO - Ocultação gera sentimento de desconfiança


Ocultação gera sentimento de desconfiança 
FABIANO ANGÉLICO
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/06/11

O projeto de lei de acesso a informações públicas vem suscitando debates a respeito dos documentos classificados. Pelo PLC nº 41, o prazo máximo de restrição de acesso a documentos ultrassecretos será de 50 anos. Tal regra se coaduna com as melhores leis de acesso a informações públicas, que estabelecem a abertura como regra e o sigilo como exceção temporária.
Afinal, a ocultação de documentos por tempo indeterminado gera um sentimento de desconfiança e fomenta a cultura do boato e das teorias da conspiração. A abertura, ao revés, resgata a confiança dos cidadãos nas instituições.
Para além de encerrar essa figura inconstitucional do sigilo eterno, uma lei geral de acesso é imprescindível para o controle social e, portanto, para a democracia.
Na clássica distinção de Guillermo O'Donnell, temos a "accountability" horizontal (um órgão público presta contas a outro) e a "accountability" social, que significa, grosso modo, um sistema no qual a sociedade cobra e os governantes prestam contas. Ora, sem transparência não há "accountability" social adequada.
Além disso, a ampla disponibilização de dados faz com que a sociedade ative também a "accountability" horizontal -não raro Ministérios Públicos, por exemplo, abrem processos contra agentes de outros Poderes a partir de revelações da imprensa ou de ONGs.
Mais de 90 países já dispõem de leis de acesso. O Brasil é a única grande democracia ocidental a prescindir de uma lei geral de acesso a informações públicas. De certa forma, a demora em aprovarmos a lei pode ter sido favorável.
O texto que está no Senado tem algumas inovações, como a obrigação de os governos publicarem documentos na internet em formatos eletrônicos abertos, passíveis de serem lidos por máquinas.
Incorporadas as inovações, chegou a hora de o Brasil aprovar essa lei, que regulamenta um direito previsto na Constituição (artigos 5º e 37). A cada dia sem essa regulamentação, a falta de transparência traz um novo prejuízo à sociedade.
Caso o projeto de lei de acesso já tivesse sido aprovado, a Folha não precisaria ir à Justiça para tentar obter a lista dos superpassaportes (reportagem de 2 de março de 2011) e não teria noticiado o caso de venda dos dados públicos sobre segurança em São Paulo (dia 1º de março de 2011).
Caso a lei estivesse em vigor, pesquisadores em administração pública, colegas meus da FGV-SP, teriam conseguido dados sobre consumo de combustível com a Agencia Nacional do Petróleo ou informações a respeito de contratos entre empresas privadas de segurança e a Caixa Econômica Federal.
Uma lei geral de acesso, portanto, é muito mais do que ferramenta essencial a historiadores. É um garantidor de um melhor combate à corrupção e aos privilégios.
É garantidor de um debate mais qualificado e informado a respeito de políticas públicas. E é garantidor do direito à verdade e da promoção dos direitos humanos. Daí a importância de o projeto de lei ser aprovado da forma como está.
Há cinco anos, o ex-presidente Lula comprometeu-se, em entrevista a esta Folha, a fazer aprovar uma lei de acesso. Não cumpriu.
A presidente Dilma, que lutou contra a ditadura, amiga dos porões e de seus segredos, tem agora a oportunidade de se diferenciar de seu antecessor e de fazer avançar a democracia brasileira.

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