domingo, junho 26, 2011

DANUZA LEÃO - Sejamos civilizados

Sejamos civilizados
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/06/11

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se ela não se altera, não se irrita


PARA QUE SERVE ser civilizado?

Para não sair agredindo as pessoas que pegam a vaga do seu carro, não furar a fila, não puxar os cabelos daquela que ousou olhar mais de três segundos para seu amado, não roubar, não sair por aí atacando as moças.

Ser civilizado é saber que existem leis para frear nossos impulsos mais primários, leis que quando são quebradas acabam em escândalo e cadeia, às vezes -pelo menos para quem é pobre.
Mas existe um problema, entre pessoas civilizadas: de tão civilizadas, elas acabam praticamente iguais. Afinal, a educação, os bons modos, o traquejo, a cortesia, as boas maneiras, nivelam as pessoas -por cima, mas nivelam.

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se, pelo menos aparentemente, ela não se altera, não se irrita, não se enerva e tem sempre uma paciência infinita para lidar com todo tipo de problema?
Quanto mais civilizadas, mais parecidos são todos.

Pense um pouco: se você frequentar sempre um mesmo grupo, vai perceber que os homens se vestem praticamente da mesma maneira, bebem o mesmo tipo de bebida, frequentam os mesmos restaurantes, passam férias nos mesmos lugares e falam sobre as mesmas coisas.

Mais: todos têm como sonho de consumo ter um apartamento em Nova York, se possível no mesmo bairro dos amigos, se possível no mesmo quarteirão, se possível no mesmo edifício. Todos têm a mesma opinião sobre as coisas mais fundamentais, praticam o mesmo tipo de esporte e, se têm uma casa de campo ou de praia, é sempre na mesma região -se não for no mesmo condomínio.

Os filhos frequentam as mesmas escolas, se casam entre eles e os casais praticam o adultério também entre eles.

Mesmo que não se conheçam, eles sempre têm do que falar, mesmo com os estrangeiros, pois esta casta, digamos assim, é internacional e está sempre ligada nas mesmas coisas. Quando falam de gastronomia, falam dos mesmos restaurantes; dos de São Paulo, Nova York ou Tóquio, eles sabem de tudo -tudo igual, claro.

Nada, em nenhum deles, é original; dificilmente num jantar alguém chegaria sem sapatos ou começaria a cantar, entre o primeiro e o segundo prato. Como são muito civilizados, bem educados e conhecem perfeitamente as regras de etiqueta -que como são sempre as mesmas, são muito monótonas-, nada acontece em suas vidas que seja especialmente trepidante.

E quando a mulher de um desses homens tão elegantes e civilizados desaparece com um guitarrista obscuro, ninguém consegue compreender como isso pode acontecer.

Essa padronização, no fundo, é uma grande muleta; se todos usam o mesmo Rolex, o mesmo terno Armani, a mesma agenda Hermès, ficam mais seguros e protegidos; o mundo vira uma espécie de clube, e eles adoram um clube -são todos sócios do mesmo.

E a gente fica pensando: se acontecesse uma catástrofe que varresse da Terra essas tais muletas e se encontrassem todos num jardim, nus, sem os sinais exteriores que diferenciam as classes, o que fariam esses homens? E as mulheres, sem seus "tailleurs" Chanel e suas bolsinhas Prada?

Com tanta civilização, as mulheres não conhecem os maridos, os filhos não conhecem os pais, ninguém sabe o que o outro pensa sobre a vida e as coisas do mundo; a padronização civilizatória é de tal ordem que acaba ninguém conhecendo ninguém, e pouquíssimos se conhecem a si próprios.

E um dia a gente morre.

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