quarta-feira, junho 08, 2011

ANTONIO CORRÊA DE LACERDA - Por onde começar a mudança na economia


Por onde começar a mudança na economia
ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

O ESTADÃO - 08/06/11

Para a economia mundial no cenário que sucede à grande crise de 2008, ainda insolúvel para muitos países, tem prevalecido uma revolução. O Estado teve seu papel revisto para fazer frente aos enormes desafios e as políticas macroeconômicas, fiscal, monetária e cambial têm sido revistas para combater os efeitos dessa crise, corrigir suas distorções e buscar retomar o crescimento.

É curioso que, diante de tanta mudança no quadro mundial, ainda haja quem afirme - aparentemente com convicção - que não há o que mudar na política econômica brasileira. No que se refere às taxas básicas de juros, por exemplo, as explicações convencionais sobre as causas do seu elevado nível são, cada vez mais, insustentáveis. A economia do País apresenta indicadores de déficit público e dívida pública, proporcionalmente ao PIB, bem melhores do que a maioria dos países. Além disso, sermos classificados como grau de investimento pelas principais agências globais de classificação de risco deveria ser mais um diferencial.

Tomando-se as taxas de juros praticadas, há uma boa ilustração da distorção. Enquanto o Brasil oferece juros de 12% ao ano para títulos de dez anos, outros países com fundamentos macroeconômicos muito piores praticam juros bem mais baixos: Irlanda, 10,8%; Portugal, 9,8%; Espanha, 5,2%; e Itália, 4,6% - os Piigs, que enfrentam graves problemas de solvência. Mesmo a Grécia, entre os casos mais flagrantes, adota taxa de 15,9%, só poucos pontos acima da nossa.

Outra disparidade evidente está na falta de diferenciação, no Brasil, entre os juros de longo, médio e curto prazos. Se na maioria dos países as aplicações de curtíssimo prazo são remuneradas a taxas nominais muito baixas, próximas de zero, a economia nacional, por sua vez, mantém um sistema de remuneração que oferece uma trindade pouco provável nos mercados: segurança, liquidez e rentabilidade.

Para além da alegada necessidade genérica de "corte nos gastos públicos", que virou uma panaceia, o País tem uma vasta agenda de assuntos a evoluir, visando a corrigir as distorções:

criar uma estrutura de mercado que diferencie os juros de títulos de longo, médio e curto prazos;

avançar no processo de desindexação de contratos e tarifas públicas, para diminuir a rigidez e a inércia da inflação;

aperfeiçoar o sistema nacional de metas de inflação, tornando-o mais flexível no que diz respeito a prazo e indicadores a serem considerados;

e ampliar a captação de expectativas do mercado e o diálogo com os agentes, hoje excessivamente restritos ao mercado financeiro.

Sob o ponto de vista das metas de inflação em si, no sistema brasileiro há aspectos que lhe dão um relativo grau de flexibilidade, como a tolerância de 2 pontos porcentuais para cima ou para baixo do centro definido. Essa margem serviria justamente para acomodar distorções. Ocorre que nos momentos em que a inflação acumulada começa a se aproximar do teto, como há alguns meses, observa-se uma certa histeria nos mercados. Ainda mais se a política monetária ousar adotar alternativas, como as chamadas medidas macroprudenciais adotadas com coerência nos últimos meses.

A questão é o tratamento a ser dado aos choques de oferta, quando preços de commodities, por exemplo, são formados no mercado internacional e baseados não só na demanda física, mas também na especulação dos mercados futuros - especialmente na fase atual de juros baixos nos países mais ricos. Esses choques de oferta acabam sendo controlados com medidas típicas de combate à inflação de demanda. Esse processo provoca distorções, pois desestimula o nível de atividades e de investimentos produtivos, além de encarecer o custo de financiamento da dívida pública e fomentar a valorização do real.

É muito importante que o Banco Central tenha autonomia operacional. Mas a autonomia necessária não se restringe exclusivamente aos Poderes da República. Urge criar as condições para torná-lo menos refém das visões excessivamente de curto prazo do mercado financeiro. E, embora elas devam fazer parte do leque de fontes a serem consideradas, não devem se constituir no "monopólio das expectativas" observado no nosso caso.

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