quarta-feira, maio 11, 2011

ZUENIR VENTURA - Musa inspiradora


Musa inspiradora
ZUENIR VENTURA 
O GLOBO - 11/05/11

Num show outro dia, Edu Lobo usou para si o exemplo do compositor americano Cole Porter, que, quando lhe perguntaram sobre sua fonte de inspiração, respondeu que era o telefonema do produtor (com a encomenda de uma música, bem entendido). Tom Jobim disse coisa parecida: "Minha musa inspiradora é o prazo." São opiniões de peso que desmoralizam o preconceito contra as obras encomendadas, como se as limitações de tempo e de tema fossem fatores de empobrecimento delas, quando podem funcionar como estímulos, como funcionaram em vários casos ao longo da história da criação artística.

O que seria do Renascimento italiano se não existisse um mecenas como Lourenço de Médici, o Magnífico, que patrocinou grandes artistas da época? O que seria de Michelangelo sem o Papa Julio II? Provavelmente seria o mesmo gênio, mas não teria pintado a Capela Sistina no Vaticano, cujos afrescos são tidos como um dos maiores tesouros artístico da humanidade. São de uma beleza estonteante e observá-los de perto é uma espécie de delírio de fruição estética. Como o criador do David considerava-se mais escultor do que pintor, diz-se que realizou sua obra-prima pictórica com má vontade. Suspeitava que a encomenda fosse um complô de seus rivais e desafetos para afastá-lo de seu objetivo, que era fazer o mausoléu do Papa. Imagine se ele não tivesse trabalhado contrariado

Essas lembranças me ocorreram durante a Semana Literária do Projac, organizada pela Central Globo de Produção, com a participação de Luis Fernando Verissimo e Lia Luft. A mim coube falar "da encomenda e dos resultados". Aproveitei então para ressaltar que, além do prazo e da encomenda como fonte de inspiração, há outra musa mais recente: o adiantamento. O procedimento é usado na indústria editorial e consiste na antecipação de parte do pagamento dos direitos autorais. Você assina o contrato, recebe a grana e a primeira coisa que faz é gastá-la. Depois, não tem como voltar atrás, a não ser que morra, já que não pode devolver o que gastou. Como se vê, é uma invenção esperta.

O STF apanhou tanto ao beneficiar políticos ficha suja que agora merece todos os aplausos que vem recebendo por ter legitimado a união estável de casais gays. Isso demonstra que é possível conciliar a opinião dos doutos juízes com a de nossa leiga ignorância.

Mais por inexperiência política do que por incompetência, a ministra Ana de Hollanda tem derrapado e sofrido uma campanha traiçoeira. E, o que é mais grave, trata-se de fogo amigo. Ela que se cuide, pois o que o PT mais sabe fazer é oposição, inclusive contra si próprio. O apetite do partido por cargos é tão grande que o leva à prática de voraz autofagia.

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