terça-feira, maio 03, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Questão Aberta


Questão Aberta
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/05/11

Procurá-lo era a única opção deixada pelo 11 de Setembro; matá-lo não encerra a questão. A morte de Osama bin Laden aumenta a incerteza num ano de intensidade cortante. Para a economia, 2011 tem o ambiente que especuladores adoram e o setor real teme: a conjuntura fluida, incerta. Ontem foi dia de mercado volátil. O petróleo caiu, subiu e caiu, mas a situação é de tensão sem data para acabar. 

Há inúmeros fatos novos mudando a geopolítica da região. Esta semana será fechado o acordo Hamas-Fatah. Este é o primeiro resultado da nova política externa, mais independente, do Egito, após a queda de Hosni Mubarak. O número dois da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, é egípcio e na juventude foi da Fraternidade Islâmica, que se fortaleceu nas manifestações da Praça Tahir. É bem verdade que ele se radicalizou, enquanto a Fraternidade Islâmica se tornou um grupo moderado. Por vários motivos e movimentos, o Egito pode voltar a ter a centralidade que já teve no tabuleiro cada vez mais complexo da região. 

O país também já avisou que abrirá a passagem de Rafah para Gaza, a fim de permitir ajuda humanitária para a população da região dominada pelo Hamas. Em cada um desses fatos, joga-se o futuro de uma região que começou a mudar com velocidade estonteante, desde o movimento iniciado na Tunísia e, depois, no Egito. 

O que todos sabem é que não basta matar Osama bin Laden. É preciso desarticular a rede que sustenta financeira e politicamente a al-Qaeda. Há inúmeras outras facções jihadistas nesta holding de terror que virou a al-Qaeda. Ainda que seja muito difícil acabar com o terrorismo, ele se robustecia a cada dia em que Bin Laden não era encontrado. 

Duas guerras depois, é descoberto e morto, não nas cavernas do Afeganistão dos talibãs, não no Iraque que um dia foi de Saddam Hussein, mas numa cidade de tamanho médio no Paquistão, que tem sido o aliado americano na região. Bin Laden é ícone, portanto, sua morte tem um valor simbólico importante para os Estados Unidos na luta contra o terror. A morte enfraquece o grupo neste primeiro momento e pode provocar disputas pela liderança. Mas um líder morto tem valor para seus seguidores, que o transformam em "guerreiro e herói", como já faziam ontem para assim atrair mais militantes para a organização terrorista a médio prazo. 

O que afinal funcionou foi uma operação de inteligência planejada com antecedência e não qualquer das duas guerras iniciadas por George Bush. O presidente Obama tem um óbvio trunfo eleitoral na mão, mas andará no fio da navalha porque se houver um atentado nos Estados Unidos neste período, só a escalada em qualquer das guerras é que elevará seu prestígio diante do eleitor americano. O professor de Relações Internacionais Arthur Bernardes do Amaral, da PUC-Rio, acha que o risco de uma revanche jihadista aumentará com o tempo, mas que agora os controles de segurança antiterror em todos os países serão reforçados. 

Por mais complexa e perigosa que seja a al-Qaeda, ela é apenas um dos elementos de uma série de eventos em curso, de questões em aberto. O ditador do Yemen, Ali Abdullah Saleh, no poder há 32 anos, neste fim de semana avisou que desistiu de sua decisão de sair do poder. O Yemen é um dos maiores redutos da al-Qaeda. Na Síria, o banho de sangue continua, sem que haja algum horizonte de solução. 

Até junho, haverá um novo país na África, o Sudão do Sul. O Sudão como está hoje tem o dobro do tamanho do Egito, dois milhões de km. A população já escolheu a divisão - será Sudão do Norte, capital Cartum; Sudão do Sul, capital Juba; mas falta decidir um pequeno detalhe: com quem ficará a rica província petrolífera de Abyei? O Sul diz que é sua; o Norte não retira as tropas que cercam a área. 

Há dois fatos decisivos já marcados no calendário de 2011. Em setembro, os 22 países árabes levarão para a Assembleia Geral da ONU a proposta de constituição do Estado Palestino e têm dito que já reuniram mais de 100 votos. Israel, de Benjamin Netanyaho, não gosta, evidentemente, do que vê à sua volta. O governo americano prometeu que até o fim de dezembro fará a retirada da maior parte das tropas que estão hoje no Iraque. Ontem, alguns analistas econômicos consideravam que aumentou a possibilidade de retirada das tropas dos dois países e isso melhoraria a perspectiva fiscal americana. Mas com o aumento da tensão na área, o governo americano fará o que planejou ou não? 

Tudo isso é combustível mais do que suficiente para encher o tanque da elevação do preço da gasolina. Segundo o professor Helder Queiroz, do grupo de economia da energia da UFRJ, não há perspectiva de queda sustentada do preço do petróleo. Pode haver volatilidade, como ontem. O especialista em petróleo da SWL corretora, Eric Scott Hood, diz que nada indica que o preço possa cair, porque a situação no Oriente Médio é de tensão sem data para acabar. 

Nem só de preço de petróleo vive a incerteza na região do Norte da África, Golfo, Oriente Médio. O mais importante lá é a luta por uma nova história para a região, para países islâmicos, árabes ou não, tribais como a Síria e a Líbia, ou com um estado forte como a Tunísia e o Egito. O que interessa à juventude, que tem se arriscado nas praça, é a modernidade de um governo eleito, mais conexão com o resto do mundo e uma economia que lhes dê emprego e perspectivas. Frustrado esse sonho, haverá muito mais riscos para o mundo. 

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