sábado, maio 07, 2011

MARCELO RUBENS PAIVA - A voz dos animais



A voz dos animais
MARCELO RUBENS PAIVA
O Estado de S.Paulo - 07/05/11

No documentário Where In The World Is Osama Bin Laden? (de 2008), dirigido e estrelado por Morgan Spurlock, de Super Size Me, é dito por um paquistanês, depois de perguntado por que detestava os americanos:

"Não queremos a cultura de um povo que faz filmes em que bichos e objetos falam."

Spurlock, um não repórter com carisma para trafegar pelo mundo árabe, faz do seu jeito o que a Casa Branca tentou por anos e só conseguiu no domingo passado.

Cruzou Marrocos, Jordânia, Israel, Arábia Saudita, Afeganistão, Paquistão, perguntou nas ruas ao homem comum, o chamado "civil", onde estava Bin Laden.

Mostrou um povo pobre que entendia a ironia, ria, mas não escondia a indignação pela fixação dos americanos por um vilão. Muitos apontam: não se trata de um conflito contra apenas um homem.

O filme exibe palestinos esclarecidos que afirmam que nós, do Ocidente, caímos na onda dos extremistas, que nem todos são contra Israel, e que a Causa Palestina motivou grupos mal-intencionados a se firmarem através de regimes autoritários.

O surpreendente é que ele revela, através dos olhos do cidadão comum, alguns ridículos da vida do Ocidente que tentamos exportar. Como a esponja que fala e tem mais seguidores no Twitter do que o presidente americano.

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Já sonhei que meu gato me mandou um e-mail listando como seria o seu ano. Enumerou fatos relevantes para me orientar a cuidar dele.

Você já viu a variedade de rações que existem no mercado? Para castrados, pelo longo, curto, diet, orgânica, menos de 1 ano, entre 1 e 7, mais de 7... É uma tensão encontrar a apropriada.

Outra noite, sonhei que ele falava comigo. Sua boca se mexia como a de um humano. Me dizia o que não gostava em mim.

Nossa obsessão por dialogar com os animais tem uma explicação ancestral e deve estar no inconsciente coletivo ou nos genes: queremos falar a língua deles para dominá-los, evitar os leões e papar os bisões.

Mas acho que atualmente que os temos fritos, assados, industrializados, clonados, nas prateleiras de qualquer supermercado, presos em zoos ou domesticados, o sentido mudou.

Queremos ouvir como sentem aqueles que ainda vivem mais orientados por instintos do que por crenças, política, moral e tecnologia, com o poder de vida e morte sobre todas as espécies.

Acordei e identifiquei a inspiração do sonho: assisti na noite anterior a Toy Story 3, em que brinquedos falam. Estranha experiência com o que nos acostumamos, graças ao cinema americano.

No começo, gatos caçavam ratos ainda em P&B. Passaram a falar com o fim do cinema mudo. Alguns arquétipos sociais entraram na diversão: desde 1928, no mundo Disney, um rato é amigo de um pato, que é sobrinho de outro pato rico e pão-duro, que convive com um cão preguiçoso.

As relações familiares não tinham laços além de tios e sobrinhos. Disney, temendo a rigidez da censura e da moral vitoriana, não queria sexo na sua "bicholândia".

Veio a Disneylandia, uma insanidade da reprodução do mito da caverna de Platão: seres humanos vestidos de bichos que reproduzem o estilo de vida dos seres humanos.

Em São Paulo, um circo da Disney sobre o gelo os exibe dançando. São atletas e palhaços vestidos de ratos, patos e cães, que representam o dia a dia de homens e mulheres, não necessariamente atletas e palhaços.

No cinema, cavalos falam, xícaras cantam e dançam com pires e colheres, e é comum ver filmes em que carros papeiam, têm filhos e assassinam.

Se Meu Fusca Falasse era um tímido plot perto de Christine, o Carro Assassino. Porém, nada se compara à animação Carros, da Disney, cuja entrada do radiador é a boca.

Peixes, aves, elefantes, veados, leões, todos falam e vivem sob a influência dos mesmos valores familiares do Ocidente, sob as mesmas relações de trabalho, enfrentando o desconforto causado por vilões. E, pior, você acha isso tudo tão normal que, por vezes, se identifica.

Houve história de amor mais marcante que o desenho A Dama e o Vagabundo, em que dois cães protagonizam um dos beijos mais famosos do cinema?

O diálogo entre nós e seres inanimados ou animais nos é tão comum, que não sei se, de fato, já conversamos em voz alta com nossos carros e louças como se fossem nossos melhores amigos.

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Algumas coisas a Al-Qaeda ensinou. Que homens conseguem guerrear com vestidos longos. E que ainda existem mártires que se matam pelo amor de virgens.

No mais, foi-se mais um ideológico cuja patologia é mais grave do que a de outros rebeldes. Bin Laden é da quadrilha de Hitler: antissemita radical, que começou lutando contra comunistas, para se virar contra o "mundo livre", em busca da essência da sua terra natal.

Hitler era mais afetado. Gostava de saudações espalhafatosas, desfiles matematicamente organizados, grandiosidade megalomaníaca e simbologia de sentido obscuro.

Bin Laden era um terrorista hippie: movia-se entre cavernas, dormia em esteiras, teve 17 filhos, muitas mulheres, para terminar numa mansão sem telefone nem internet.

Ele nasceu dois anos antes de mim. Suas fotos na faculdade de engenharia lembram as minhas. Suas garotas não tinham véus. A "tchurma" aparece de cabelo comprido, calça boca de sino e camisa social gola larga.

Não duvido que tenha imitado John Travolta de Embalos de Sábado à Noite, ou feito o moon walk em alguma boate com luz negra e estroboscópica de Riad.

Seria um rico ocidentalizado no Oriente. Mas foi outro pretenso líder oportunista desta guerra que começou na 1.ª Cruzada, em 1096.

Já Obama, diferentemente do seu antecessor - que gastou mais de US$ 1 trilhão, envolveu o país em duas guerras, perdeu milhares de americanos e causou morte e destruição -, usou pouco mais de 90 fuzileiros bem treinados, herdando um sistema de investigação com prática de tortura e espionagem tecnológica.

E, de gozação, reproduziu o mesmo slogan dos republicanos, quando anunciaram a morte de Saddam Hussein e tentaram justificar a guerra injustificável: "O mundo está mais seguro sem Bin Laden".

Não está. Claro que não. Nem com a morte do primeiro, muito menos com a do segundo. É essa maneira rasa do Ocidente de enxergar o mundo pela bondade ou vilania pessoal que intriga o Oriente.

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