quinta-feira, maio 19, 2011

JOSÉ SERRA - O direito à norma culta


O direito à norma culta
JOSÉ SERRA
BLOG DO SERRA

Já se escreveu bastante, mas leitores e amigos insistem para que eu aborde o tema do livro que ensina que dá no mesmo dizer “os livros” ou “os livro”.

O pensamento e a escrita são livres. O que me espanta é a dificuldade do Ministério da Educação – MEC para reconhecer que errou ao chancelar o livro, comprá-lo e distribuí-lo para quase 500 mil estudantes, usando dinheiro público – 5 milhões de reais, pelo que eu soube.

Claro que existe a chamada “norma culta” da língua e existem normas incultas. No bairro da Mooca da minha infância, então pobre, a garotada na rua falava “nós vai”; pegava mal falar “nós vamos”. No interior de São Paulo é comum comerem “s” e “r” do fim das palavras.

É óbvio que ninguém deve discriminar ninguém por isso. Mas não tem cabimento colocar as duas formas de falar no mesmo plano, num livro que deveria ensinar português a jovens e adultos que estão precisamente querendo aprender a norma culta da língua. A norma inculta passa a ser apenas vítima de “preconceito linguístico” e a norma culta um instrumento de discriminação de classes. Para aprender o português popular eles não precisariam ir à escola, ou, pelo menos, enfatizar o bom aprendizado. A norma culta precisaria ser reconhecida como um instrumento de dominação de classes, dos ricos aos oprimidos.

O MEC e as secretarias estaduais de educação às vezes deixam passar erros nos livros didáticos que distribuem. Errar é humano. O problema sério é não reconhecer o erro. Por vezes, o erro deixa transparecer uma intenção política. Este foi o caso de outro livro didático muito discutido por estes dias, que esconde acertos do governo FHC e erros de Lula. Se a moda pega… Transformar a escola em agência de doutrinação política é típico de regimes totalitários. O MEC não pode compactuar com isso.

Voltando ao livro de português: diga o que disser a autora, acho muito difícil que algum jovem tenha dúvida sobre a importância de falar e escrever bem o idioma nacional. O que eu observo por toda parte – e tenho andado pelo Brasil – é um esforço muito determinado dos jovens de aprender e usar a norma culta da língua.

Na língua falada, parece que vamos bem. Encontro pessoas que não tiveram chance de completar o ensino fundamental, falando de um modo claro e correto. O rádio e principalmente a televisão contribuem muito para isso, difundindo um padrão nacional de português pelos quatro cantos do país.

Na língua escrita, ainda temos dificuldades. Às vezes, em cartas e emails que recebo ou em comentários que leio na web, noto que o conteúdo é consistente, o raciocínio é bem articulado, mas há tropeços de ortografia e gramática.

Nossos jovens têm direito de aprender a falar e escrever um bom português, como parte de uma educação que os prepare bem para o trabalho e para a vida. O MEC, entre todas as instituições, é o último que poderia tergiversar sobre isso.

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