terça-feira, maio 24, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - Novos colaterais


Novos colaterais
JOSÉ PAULO KUPFER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/05/11
Ninguém desconhece que o manual convencional de combate às pressões inflacionárias recomenda a adoção de medidas que, em variadas circunstâncias e na maior parte das vezes, aprofundam, colateralmente, os problemas provocados pela consequente valorização cambial.

São sempre acaloradas as discussões sobre os impactos negativos desse colateral nas contas externas e nas cadeias de produção, sobretudo as industriais, numa transposição mais ou menos automática de situações históricas recentes.

Há, porém, novidades no ambiente econômico e, portanto, nos colaterais. Lidar com eles, por isso mesmo, exige trazer novos elementos ao debate.

São cada vez mais nítidos os sinais de que, na presente quadra da economia internacional, o uso da política monetária convencional, na forma de elevações de juros, libera componentes tóxicos que operam na direção contrária ao almejado enxugamento da demanda.

Um dos mais perigosos é o que tem propiciado expansão autônoma do crédito. Trata-se de alimento para o superaquecimento da economia e, portanto, para a formação de bolhas, seu potencial estouro e as crises daí derivadas.

Um desses sinais vem da aceleração da dívida externa dos bancos brasileiros. Em 15 meses, de dezembro de 2009 a março deste ano, essa dívida simplesmente dobrou, passando de US$ 63,6 bilhões para US$ 122 bilhões. A dívida externa dos bancos, que já responde por um terço do total, registra um ritmo de crescimento três vezes maior que o da dívida externa como um todo - que também vem aumentando, tendo atingido, em março, US$ 381 bilhões.

Esses recursos, captados com crescente voracidade no mercado financeiro internacional, são aplicados em financiamentos domésticos, boa parte no setor imobiliário - não por coincidência aquele em que os preços têm ido às nuvens e os temores da formação de bolhas são maiores. Dá para desconfiar que este seja um poderoso e potencialmente explosivo canal de superaquecimento da economia, estimulado, paradoxalmente, pelas medidas que visam a evitá-lo.

Inúmeras consequências derivam dessa constatação. Duas delas dizem respeito à potência de dois mecanismos de contenção da demanda: as medidas macroprudenciais de política monetária e, mais do que isso, a política fiscal.

Diante dos nutrientes que a política de juros acaba injetando no crédito, via captação externa dos bancos, ambas perdem força e, como a taxa Selic, esta por causa da indexação, precisam ser usadas com mão muito mais pesada para surtir efeito.

Interessante observar, em tempos de novidades e incertezas, como os da atualidade, o quanto a aplicação de políticas econômicas convencionais pode produzir efeitos contrários aos convencionalmente aceitos e previstos. Compulsórios bancários e reservas internacionais são bons exemplos.

Ambos têm sido fartamente usados desde a instalação da crise global, tanto que, de 2008 para cá, registram aumentos de 60% nos volumes acumulados. O volume de reservas se aproxima dos US$ 350 bilhões (15% do PIB) e o compulsório acumula R$ 400 bilhões (10% do PIB).

Acontece que grandes volumes de reservas, ao mesmo tempo em que formam um desejável colchão de segurança para as contas externas, estimulam o ingresso de mais capitais externos, que pressionam o câmbio, além de aumentar a dívida pública bruta, afetando, negativamente, as contas públicas.

Já o compulsório, cuja função é reduzir o dinheiro disponível para empréstimo, encarecendo o crédito e desanimando tomadores - e a demanda em geral -, pode também estimular a captação externa de recursos para empréstimos, neutralizando os efeitos da política restritiva.

Não há dúvida de que, na economia brasileira, o atual surto de superaquecimento exige reversão e, para isso, deve ser aplicada uma política fiscal não só claramente austera como decididamente eficaz no enxugamento dos gastos.

Mas o escape do crédito, pela via das captações externas, estimuladas pelos juros internos e pelo arrocho do compulsório, está aí para quebrar a convenção segundo a qual há uma identidade exclusiva - ou quase exclusiva - entre o aquecimento econômico e os gastos públicos.

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