Discordância
ARTHUR DAPIEVE
O GLOBO - 20/05/11
A boa expressão oral também é necessáriaSou professor. Dou aulas de história da música e de jornalismo cultural, além de oficinas de crônicas, em centros de cursos livres. Dou aulas de técnicas de redação para jornalistas, no sétimo período de uma universidade particular. Nestas, obviamente, o bom português é condição indispensável à aprovação dos alunos. Erros custam pontos.
Porém, universitários prestes a se formar - bem como profissionais já formados, claro - cometem erros de português de vez em quando. Uma concordância aqui, uma crase lá. É normal, seja pela má formação de base seja pela pressa do fechamento, mas não significa que possa ser aceitável. O jornalista deve ter tolerância zero com erros.
Explico aos alunos que o erro de português, para não falar no de informação, tem um efeito metastático em jornal, revista ou internet. Fixado no papel ou na tela, o erro contamina o tecido gramaticalmente sadio que está em volta, levando o leitor à dúvida ("Se esse repórter não conhece o seu instrumento de trabalho..."), solapando até o mais bem construído dos argumentos, minando a preciosa credibilidade.
Não apenas isso, não apenas para futuros jornalistas. Além da boa expressão escrita, derivada de uma boa leitura, a expressão oral é fundamental para qualquer candidato a emprego criar uma impressão positiva numa entrevista, por exemplo. Advogados, médicos ou engenheiros que não se expressam bem não passam confiança. Profissionais sem necessidade de diploma superior também são mais bem avaliados se falam bom português. Vale para taxistas, comerciários, jogadores de futebol.
Gosto de dar aula. Talvez seja o derradeiro bastião do meu idealismo. Acredito que há algo de nobre em compartilhar o conhecimento acumulado, devolvendo à sociedade aquilo que ela nos transmitiu, enriquecido pela nossa experiência. Lecionar também ajuda a organizar as próprias ideias, submetendo-as às salas de aula. E estas são um suprimento aparentemente inesgotável de gente interessante.
É desta perspectiva, portanto, que vejo a distribuição pelo Ministério da Educação de 485 mil exemplares de "Por uma vida melhor", de Heloísa Ramos. Trata-se de um livro didático, não de linguística ou para linguistas. Nele, ao falar de diferentes registros, a colega defende a substituição dos conceitos de "certo" e de "errado" pelos de "adequado" e de "inadequado" na linguagem oral. Falar "nós pega o peixe" ou "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado" seria adequado, dependendo do contexto e com a ressalva de que "a pessoa pode ser vítima de preconceito linguístico".
O trecho gerou celeuma num Brasil que, reconhecidamente, pena com um baita déficit educacional. Comentaristas notaram que, se levado ao extremo, esse relativismo gramatical equivaleria à autodissolução do magistério, à renúncia ao próprio ofício de ensinar, tanto a crianças quanto a adultos. Do outro lado do ringue, um assessor não identificado do ministro Fernando Haddad defendeu a pasta, naturalmente fazendo uso das concordâncias corretas: "Não somos o Ministério da Verdade. (...) Já pensou se tivéssemos que dizer o que é certo ou errado? Aí, sim, o ministro seria um tirano."
Não alcancei o raciocínio, mas acredito que a "flexibilização" linguística eterniza o preconceito que pretende combater (e não estou nem bem certo se o termo preconceito se aplica aqui). Porque, ao considerar "adequado" que o cidadão menos instruído continue se expressando mal, ainda que oralmente, ela não o estimula a estudar, a aprender, a se aperfeiçoar. É como se o sucesso do ex-presidente Lula fosse a norma na sociedade, não a exceção. Ou seja, pode até soar progressista proclamar que a abolição da concordância liberta a fala do povo dos grilhões da norma culta das elites, ou slogan parecido, mas a rigor ela imobiliza o sujeito em dois grupos: o dos bem-falantes e o dos mal-falantes. E educação é sobre mobilidade.
Assim, sem querer, tal proposta está mais para reacionária, porque admite que o povo permaneça onde está, na semiescravidão de ser cortejado como consumidor - agora que as classes C e D melhoraram um pouco de vida, graças ao continuum Itamar-Dilma - e não reconhecido como cidadão pleno, apto a se informar e se expressar bem, seja na concordância seja na discordância, mas com conhecimento de causa.
Este, aliás, é um aspecto de uma questão ainda maior, que diz respeito não só a educadores ou a comunicadores, não apenas aos governos, e sim a todos os brasileiros: como lidar com o grande contingente de pessoas que a duras penas subiu na vida nos últimos 17 anos? Vamos ser paternalistas? Aceitar que esse "subir na vida" seja apenas material ou insistir na obviedade de que a ascensão social - e econômica, do país - só pode ser sustentada por um ensino de melhor qualidade, no qual se aprende a norma culta para, depois, se for o caso, adaptá-la, questioná-la, subvertê-la, atualizá-la? É por intermédio dela que um cidadão fala de igual para igual com outro cidadão.
Os atentados contra a língua portuguesa já vem há muito tempo, agora foi sacramentado pelo MEC.
ResponderExcluirA massa, tem que permanecer cada vez mais ignara e incompetente.
Hoje no Brasil pensar, ter opiniões próprias e convicções próprias é proibido pelo POLÍTÍCAMENTE CORRETO.
PRINCÍPIOS E VALÔRES MORAIS ELEVADOS SÃO TRATADOS SOB O NOME DE PRECONCEITO.
Perdeu-se o respeito á tudo , as leis, as normas, toda e qualquer regra e o principal exemplo disso , está vindo do Legislativo, que a todo dia rasga a Carta Constitucional ao querer aprovar por exemplo, as INCONSTITUCIONAIS REFORMAS POLÍTICAS( COM LISTA FECHADA)E O PL 122 QUE ESTÁ ABARROTADO DE ATENTADOS A CARTA MAGNA.