domingo, abril 03, 2011

SUELY CALDAS - Reverso com a inflação



Reverso com a inflação

SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 03/04/11

A estratégia do Banco Central (BC) de desistir do cumprimento da meta de inflação em 2011 e transferir a tarefa para 2012 ignorou solenemente um importante fato político: as eleições municipais no ano que vem. As análises do BC sobre o futuro costumam ser muito cuidadosas e precisas quando se trata de definir estratégias no presente. Afinal, a atenção e a preocupação com acontecimentos de médio e de longo prazos estão na essência das avaliações de um banco central para tomar decisões. É assim no mundo inteiro.

Por isso soa inexplicável que uma diretoria experiente, com funcionários de carreira que passaram a vida tentando blindar a política anti-inflacionária de efeitos político-eleitorais, decida puxar o freio da economia e reequilibrar a inflação justamente em ano eleitoral. Numa eleição, a classe política - presidente, governadores, prefeitos, parlamentares - só enxerga um propósito: ganhar nas urnas. E busca agradar aos eleitores inaugurando obras soberbas, promovendo empregos e salários em alta, aumento do consumo, crescimento econômico, além de exagerar em gastos com o dinheiro público - um cardápio que conspira contra e joga por terra qualquer intenção de frear os preços.

Em 2010 a inflação fechou em 5,91%, portanto acima do centro da meta, de 4,5%. Foi um ano eleitoral e o ex-presidente Lula mostrava-se disposto a tudo para ganhar a disputa. Venceu, mas isso custou para a sucessora um estoque de encrencas na área fiscal que dificultam ações dirigidas a trazer a inflação de volta ao centro da meta. Esperava-se do novo governo buscar resolver as encrencas e do BC, uma estratégia séria para recuar a inflação. Se é que a diretoria do BC tentou, parece não ter conseguido convencer quem está no comando da economia - seja Dilma, Palocci ou Mantega. Mas, como também não acredita que medidas "macroprudenciais" e paliativas de contenção de crédito tenham força para trazer a inflação a 4,5%, o BC desistiu de 2011, prometendo perseguir a meta em 2012, mesmo sabendo ser muito mais difícil do que este ano.

O governo tenta disfarçar, mas quem está lá, conhece a ciência econômica e viveu a hiperinflação dos anos 80 sabe que os riscos assumidos com essa estratégia são enormes e reais. Nosso histórico recomenda não brincar com inflação. De tolerância em tolerância, de ceder aqui e ali, de adiar e empurrar com a barriga, a inflação vai ganhando corpo e cresce, no início devagar, depois apressando o passo. Quando se quer recuar é tarde, ela já se impôs. E na economia ela funciona como um tributo contra os pobres, que não têm como se defender, e a favor dos ricos, que multiplicam dinheiro com o jogo do mercado financeiro.

Na disputa que travou com Palocci no primeiro mandato de Lula, a então ministra Dilma Rousseff ficou brava quando a imprensa publicou que, em reunião da equipe econômica com o presidente, ela teria afirmado que uma inflação de 15% não causaria danos à economia. "Sou economista e jamais diria uma burrice dessas", reagiu na época. Agora presidente, em mais de um discurso ela tem repetido que inflação se trata "com tolerância zero". Se assim é, ela deveria provar ao País que seu discurso não é só retórica. E não adiar o que será mais difícil conseguir no futuro.

Mas, em vez disso, o governo Dilma tem é contribuído para assombrar o BC com mais um fantasma: o da indexação.

Na quarta-feira o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araujo, alertou para o risco de aumento da inflação que vem "dos mecanismos de indexação que existem no País". Ele sabe que o índice em ascensão leva os agentes econômicos a se defenderem indexando os preços de seus produtos, criando um círculo vicioso de realimentação de altas que se propaga pela economia. Pois bem. Têm partido do próprio governo iniciativas de indexação. Foi assim ao definir a política para o salário mínimo indexada ao PIB e também vincular o reajuste da Tabela do Imposto de Renda à meta da inflação.

Se a tolerância com esta velha inimiga, presidente, é mesmo zero, decididamente o caminho não é voltar ao passado.

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