segunda-feira, abril 04, 2011

RUY CASTRO - Royalty do perigo


Royalty do perigo
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 04/04/11

RIO DE JANEIRO - Em "Interlúdio", filme de Hitchcock, de 1946, Cary Grant e Ingrid Bergman vivem agentes americanos infiltrados numa célula alemã no Rio, pouco antes do fim da Segunda Guerra. Numa sequência-chave, Cary e Ingrid penetram na adega do chefe nazista, interpretado por Claude Rains, e descobrem que algumas garrafas contêm, não vinho, mas um pó escuro -urânio, elemento com que a Alemanha pretendia fazer sua bomba atômica.
"Interlúdio" teve produção complicada. Seu roteiro, por Ben Hecht, foi escrito em fins de 1944, quando a bomba era segredo de Estado nos EUA e não se sabia que levava urânio. Hitch e Hecht também não sabiam. Só puseram o urânio na história para justificar que ela se passasse no Brasil. Mas, numa consulta a um Nobel de Física, Robert Millikan, este deixou escapar que o urânio era um componente da bomba e, sim, cabia numa garrafa.
Segundo Hitchcock, assim que o roteiro de "Interlúdio" foi submetido à censura do Código de Produção, o FBI rondou-o por algum tempo. Mas, sete ou oito meses depois, em agosto de 1945, houve Hiroshima, com o que a bomba e o urânio deixaram de ser segredo. E "Interlúdio", lançado dali a pouco, saiu, sem querer, atualíssimo.
O urânio volta agora a assustar. Por causa do desastre no Japão, descobriu-se que é perigoso ser vizinho de usinas nucleares, e que os Estados e municípios na sua área devem receber um percentual da fortuna que elas geram -para compensar pelo impacto ambiental provocado por despejo do lixo atômico e para prevenir que, em caso de acidente, os moradores tenham para onde correr.
É o "royalty do urânio", como está sendo chamado. Quem o reivindica são o Estado do Rio e os municípios de Angra, Paraty, Mangaratiba e Rio Claro -deslumbrantes paraísos naturais em que, nos anos 70, os trêfegos militares brasileiros resolveram plantar o perigo.

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