sábado, abril 09, 2011

RUY CASTRO - O ódio a cinco metros


O ódio a cinco metros 
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/04/11

RIO DE JANEIRO - Nos anos 60, havia no Rio um jovem e famoso juiz de futebol. Às vezes, errava (quase sempre contra o Flamengo), quero crer que por prepotência, não por má-fé. Tinha invejável preparo físico e não admitia indisciplina. Numa época ainda sem cartões vermelhos e amarelos, só se dirigia aos jogadores por "sr." e pelo prenome -nada de apelidos.
"Sr. Edson, o senhor está expulso!" -dizia, com sua voz aguda, para Pelé, em algum jogo do Santos pelo Torneio Rio-São Paulo. Ou para Cafuringa, ponta do Fluminense: "Sr. Moacir, considere-se advertido!". Não sei como chamava Nilton Santos, do Botafogo, que, por mais de uma vez, foi-lhe às faces aos sopapos. Mas sei bem como o Maracanã o chamava. Se discordassem de algum apito seu, as arquibancadas quase desabavam aos gritos, em coro, de "Bicha! Bicha!".
Foi a primeira vez que se usou esse termo em massa e como insulto no Brasil. No começo, chegou a chocar. Depois, ficou apenas folclórico, porque os estádios passaram a aplicá-lo contra todo mundo e até mesmo sem conotação sexual. Em seu sentido original, "bicha" seria substituído nos anos seguintes por outros epítetos mais pesados e, com o tempo, esquecido. Daí a surpresa ao vê-lo ressurgir, semana passada, numa partida de vôlei em Contagem (MG), dirigido ao atleta Michael, do Vôlei Futuro.
A palavra é a mesma e o sentido, idem. Mas, do ponto de vista da pessoa insultada, há uma diferença. Uma coisa é ser ofendido por 150 mil pessoas num estádio de futebol -uma massa informe e sem rosto, a 200 m de distância, separada por fossos e alambrados.
Outra, muito pior, é ouvir essa ofensa de 2.000 pessoas num ginásio, com os agressores a apenas cinco metros, as palavras, saindo de bocas encharcadas, ressoando uma a uma nos ouvidos do agredido, e o ódio, tão perceptível, impresso em cada rosto e cada esgar.

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