sábado, abril 02, 2011

MÍRIAM LEITÃO

Notas e ruídos 
MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/04/11

A presidente está com alto grau de aceitação porque é normal em todo início de governo e porque ela está surpreendendo favoravelmente com um estilo próprio. Nas suas aparições públicas, Dilma sempre tem propósito definido. Ela eliminou o viés espetáculo. Quando apareceu, foi para passar mensagens de interesse público, como a luta pela saúde da mulher. Mas seu balanço de três meses tem vários pontos desfavoráveis. Foram tomadas decisões controversas, como a solução dada à Caixa Econômica Federal (CEF).
Em vez de ter que se explicar pela decisão da sua gestão de pagar caro por metade de um banco podre, a ex-presidente da CEF Maria Fernanda Coelho foi indicada para uma diretoria do BID. O governo premiou quem tinha explicações a dar e aprofundou o processo de mais politização da Caixa. Geddel Vieira Lima foi para a vice-presidência do banco.
A operação Vale foi lamentável pela maneira desastrada como foi conduzida. Ela é uma das empresas com grande valor de mercado do Brasil, tem ações no mundo inteiro, é uma multinacional na qual os mercados mundiais prestam atenção. Vejam abaixo o gráfico da valorização das ações da empresa em comparação com o que aconteceu com a Petrobras, em 2010. Parte da alta da Vale é a disparada dos preços do minério de ferro, não deve ser totalmente creditada à administração da empresa.
A presidente Dilma deu uma entrevista ao "Valor" dizendo que nada sabia da mudança na presidência da Vale. Ela foi enfática: "você pode ficar estarrecida, mas não sei". O ministro da Fazenda, soube-se depois, foi a São Paulo para a primeira de duas conversas com o presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, para pedir a cabeça de Roger Agnelli. O banco, como era de se esperar, entregou a cabeça, na bandeja de prata dos muitos interesses que ele tem com o governo. A segunda das duas reuniões foi com a presença do maior fundo de pensão do Brasil, a Previ. Quem quer ficar contra a Previ? O problema é que o fundo de pensão não é estatal. É uma entidade privada, e não um braço governamental.
Para tirar Roger do cargo, havia um caminho empresarial e um bom motivo: ele está há 11 anos no posto. A coisa certa seria, na reunião de 19 de abril, o BNDES propor como acionista da Valepar a não renovação do mandato. A Previ seguiria porque já demonstrou desacordo com decisões da empresa. A Mitsui é indiferente, seria convencida com argumentos empresariais, e o Bradesco não iria querer ficar isolado, bloqueando uma solução. Seria decidido normalmente, seguindo regras de contratação de uma empresa de headhunter. Mas o governo se comportou mal, a governança da empresa foi desrespeitada. Independentemente da capacidade gerencial de quem vier a ser escolhido, mesmo sendo técnico, ele sabe que segue ordens do implacável Planalto. A Vale agora passa a ser uma empresa governamental. Ninguém mais na Vale ousará desagradar ao governo. Não existe meia intervenção. A empresa agora é tutelada.
Notícias espantosas saíram dos canteiros de obras das hidrelétricas do Rio Madeira. Trabalhadores em fúria nas obras de Jirau e paralisações em várias outras obras do PAC indicam que houve uma tensão acumulada que os consórcios - nos quais há empresas estatais - não souberam enfrentar a tempo. Agora, centrais sindicais que são braços do governo disputam para saber quem representa esses trabalhadores. Eles viraram capital político do sindicalismo governamental.
Em Belo Monte, houve no governo Dilma outro atropelamento do Ibama. Demissão e a concessão de uma controversa licença parcial do canteiro de obras. Segundo cálculos do Imazon, que constam do consórcio Norte Energia, o desmatamento indireto da obra pode variar de 800 quilômetros quadrados a 5,2 mil quilômetros quadrados. Os fatos até agora fazem temer pelo pior.
Na economia, mensagens conflitantes enchem de ruído uma conjuntura já complicada por uma série de eventos internacionais, e a sensação de que o governo aceitará um pouco mais de inflação no país que passou pelo tormento hiperinflacionário.
Há várias notas agradáveis no governo Dilma, mas há dissonâncias assustadoras.
Notas e ruídos
O governo de Dilma Rousseff nem fez 100 dias, só fará daqui a uma semana, e já houve uma explosão de revolta nos canteiros de obras do PAC, interferência explícita na Vale, concessão de uma estranha licença "parcial" para Belo Monte. No lado bom, o governo fechou o palanque ambulante, valorizou a mulher e cobrou resultados dos ministérios. 

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