quarta-feira, abril 20, 2011

MARIO MESQUITA - Ventos de proa


Ventos de proa 

MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/04/11

A RECUPERAÇÃO da economia mundial pode estar entrando em um período de turbulência. As fontes de incerteza são diversas e atingem as principais economias maduras.
Nesse ambiente, as perspectivas para os preços de ativos de economias emergentes, embora ainda promissoras, estão envoltas em maior risco.
A recuperação da economia japonesa foi atingida pelos desastres naturais e o subsequente problema nuclear. Por um lado, persistem restrições do lado da oferta, ocasionadas pela escassez de energia, e, por outro, há um natural recolhimento das intenções de realização de gastos discricionários por parte da população. É certo que em algum momento, nos próximos trimestres, os esforços de reconstrução irão adicionar dinamismo à atividade econômica, mas tal processo pode se mostrar demorado.
Na Europa, conquanto persista o descolamento entre atividade nas economias centrais, em especial a alemã, e a periferia mediterrânea, a retomada segue sob o risco de uma deterioração nas finanças públicas das economias em crise.
Ainda que as autoridades econômicas europeias continuem a negar a hipótese de reestruturação, parece haver consenso nos mercados de que a reestruturação da dívida pública grega é apenas uma questão de tempo. As trajetórias da dívida pública de outros países, como Irlanda e Portugal, também são vistas com bastante cautela.
As questões que se colocam são, portanto, o que ocorreria com economias mais relevantes e os bancos, em caso de uma moratória da Grécia. Até recentemente, parecia haver uma redução da sensibilidade dos preços dos ativos espanhóis ante os desenvolvimentos nas economias periféricas em crise, mas esse quadro parece ter se alterado nos últimos dias.
Ademais, uma moratória provavelmente afetaria também os bancos gregos, que têm relações com o sistema bancário no resto do continente. É plausível que o grande prejuízo fique com o Banco Central Europeu (BCE), que, em última instância, poderia requerer recapitalização. Mas não se pode descartar, a priori, riscos de contágio da dívida pública para a dívida bancária.
A grande dificuldade, no caso europeu, é que a união monetária precedeu a união fiscal (se é que esta última vai de fato acontecer). Assim, não há mecanismos automáticos de socorro "federal" aos governos da periferia. Nesse contexto, os programas de ajuda devem ser negociados praticamente caso a caso, o que aumenta o risco político -ainda mais porque regras de governança e tradições dentro da União Europeia requerem decisões por consenso.
Nos EUA, a questão fiscal também ganha proeminência. Não se trata de temor quanto a uma moratória, mas sim da deterioração das perspectivas fiscais em ambiente político conturbado. Em que pese o anúncio de um programa de consolidação fiscal de médio prazo pelo presidente Barack Obama, os mercados, e as agências de classificação de risco, continuam céticos, em boa parte porque não enxergam ambiente para convergência entre democratas e republicanos -situação que não deve se tornar mais simples à medida que aproximam as eleições de 2012.
Simplificando as posições, parece que os democratas preferem um programa de ajuste mais gradual, e que combine contenção de gastos com algum aumento de impostos sobre os segmentos de alta renda, ao passo que os republicanos defendem um ajuste mais rápido, nos moldes do programa econômico do novo governo britânico, voltado para o corte de gastos e a redução do tamanho do Estado.
O desfecho mais provável, a despeito das posições aparentemente irreconciliáveis, é algum tipo de solução de compromisso, mas que implique uma posição fiscal mais contracionista a curto prazo do que anteriormente esperado.
Assim, depois de um primeiro trimestre com atividade decepcionante, a recuperação americana pode ter de enfrentar um período em que o mix de políticas fiscal e monetária é menos favorável, a menos que o aperto fiscal venha a ser compensado por uma nova rodada de expansão monetária quantitativa. Resumindo, os ventos de proa e o risco político para a recuperação mundial, especialmente nas economias maduras, parecem ter ganho força. 

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