domingo, abril 10, 2011

JOSÉ MUJICA - As duas faces do grande desafio


As duas faces do grande desafio 
JOSÉ MUJICA


FOLHA DE SÃO PAULO - 10/04/11

Até mesmo os maiores países de nossa região precisam do peso econômico e político do restante dos países; isso se aplica também ao Brasil


Todos os países enfrentam dificuldades para se adaptar a um mundo cada vez mais globalizado, com muitos centros e periferias.
Em consequência disso, as formas tradicionais de produção e distribuição mudaram. As empresas transnacionais influem sobre uma parte importante do comércio mundial e indicam as regras às quais temos que nos adaptar. Para responder a esses desafios, o mundo está se organizando em grandes blocos.
Da América Latina, vemos que dois blocos grandes se erguem na Ásia, em torno da China e da Índia, competindo com as potências tradicionais, e nos perguntamos: "O que podemos fazer? Qual pode ser nosso peso, negociando fragmentados em muitas repúblicas distintas, sem a criação de um espaço comum?".
Até mesmo os maiores países de nossa região precisam do peso econômico e político do restante dos países. Isso se aplica também ao Brasil, o primeiro país latino-americano que saiu para atuar em nível mundial. Esse é um de seus enormes méritos, mas é também um desafio. Precisamos acompanhá-lo.
O Brasil precisa ter consciência de sua responsabilidade, e nós precisamos ter consciência de que precisamos nos agrupar em volta dele.
Por essa razão, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em 1991 o Tratado de Assunção, para criar o Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Hoje, Bolívia e Venezuela estão em processo de incorporação, enquanto Chile, Colômbia, Equador e Peru são Estados associados. Essa zona abarca quase 12 milhões de quilômetros quadrados, tem 380 milhões de habitantes e, além disso, possui imensos recursos humanos e naturais.
Somos conscientes das assimetrias do Mercosul e de seus defeitos, mas acreditamos que o modo de equilibrar essas assimetrias consiste em promover políticas de aproximação e inclusão do maior número possível de países sul-americanos.
A incorporação da Venezuela como membro pleno aguarda a aprovação do Senado paraguaio, onde existe certa resistência a Hugo Chávez. Meu governo é a favor da postulação de Caracas. Em primeiro lugar, porque não se deve confundir um país com um regime. Os governos passam, os países ficam.
Além disso, a Venezuela é um elemento compensatório em termos econômicos e de recursos naturais de todo o rio da Prata, porque ela precisa daquilo que nós produzimos. Por essa razão, sua inclusão no Mercosul serviria para reduzir as diferenças existentes.
Precisamos da Venezuela e dos outros países sul-americanos no Mercosul porque a potência do subcontinente é infinita, se somarmos a energia venezuelana e a água doce das reservas dos pampas do sul, o rio Amazonas e a experiência de nossos povos. A meta é construir uma nação que abarque todo o subcontinente. Outro grande problema que precisamos enfrentar com a integração e a inserção internacional é a redenção dos pobres da América Latina e a incorporação à civilização de enormes massas que precisamos incluir no crescimento, em um crescimento para dentro.
Tal desafio nos obriga a multiplicar a riqueza, os recursos e os conhecimentos, mas isso, por si só, não resolverá os problemas de uma humanidade dividida. Não há uma América Latina, há várias.
Há os esquecidos da terra, os condenados das favelas e as grandes capitais. Na luta pela expansão econômica e social, o maior mercado potencial está justamente na inclusão dos pobres. E, embora essa região tenha progredido muito na última década, ainda temos uma dúvida colossal com os pobres de nossos países.
Tradução de Clara Allain. 

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