terça-feira, abril 26, 2011

JOÃO PEREIRA COUTINHO - De Londres, com amor


De Londres, com amor 
JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/04/11
LONDRES - A cidade está um brinco. Não admira. Há casamento real na sexta-feira. Ir ou não ir, eis a questão. Como agente infiltrado, entenda-se.
Mas depois leio que o casamento começa de madrugada, por volta das onze horas, e eu já não tenho vida nem idade para essas loucuras.
Além disso, os dry martinis do velhinho Dukes, meu sanatório há muitos anos, não permitem ressacas simpáticas na manhã seguinte. O mais certo era entrar na festa e apalpar a rainha. Ou a noiva. Ou, melhor ainda, a irmã da noiva.

A irmã da noiva: quem disse que Kate Middleton era a beleza da família? Não é. A beleza da família está com a irmã, diz-me Dimitris, um barbeiro grego que opera em St. James há 37 anos.
Mas, antes de falarmos da irmã, falemos de mim. "Como é que você faz a barba?" pergunta-me ele, tom inquisitorial, olhar nauseado. Explico-lhe: lâmina de baixo para cima na zona da garganta; depois, de cima para baixo no rosto.
Ele renega-me três vezes, como Pedro a Jesus Cristo, e depois acrescenta, firme e ameaçador: "É sempre de cima para baixo, para acompanhar o crescimento natural da barba!"
Registro, grato e trêmulo. Então ele coloca-me uma toalha quente e umedecida sobre a cara, vai preparando a espuma e fala da irmã de Kate. "Chama-se Pippa", diz-me ele, "e agora era o momento ideal".
Removo a toalha do rosto e pergunto, intrigado: "Ideal para quê?"
"Para atacar", diz-me ele, com a lâmina na mão. "Imagine só: a irmã casa com o herdeiro do trono, e ela, a mais bonita, fica para tia? Isso dá cabo de uma mulher, rapaz."
Bem pensado, Dimitris. Talvez eu vá mesmo ao casamento, se acordar a tempo. Ou se você não me degolar primeiro.

Kate casa com o herdeiro do trono britânico. Mas nem sempre as coisas foram róseas.
O casal, dizem os jornais, teve duas brigas feias no passado. E eu, tomado por uma experiência digna de Proust, lembro-me bem da primeira delas. Minto: lembro-me de um cartum a respeito na revista "The Spectator".
Vemos uma Kate, chorosa, nos braços de uma amiga (ou seria a irmã?); e a amiga, com verdadeira compaixão, consola-a com as seguintes palavras: "Sim, ele pode ser jovem, lindo, obscenamente rico e o herdeiro do trono. Mas você consegue melhor que isso!"
Eis o humor britânico: uma inaudita mistura de crueldade e nonsense que podemos encontrar nos melhores. Em Jonathan Swift, Oscar Wilde, P.G. Wodehouse; e, claro, nos Waugh -pai e filho.
Do pai Evelyn falarei um dia. Do filho Auberon falarei já na próxima semana, até porque há livro novo aqui -uma antologia das suas crônicas que pretende "resumir" o essencial do seu "pensamento".
Duvido que a mente deliciosamente anárquica de Auberon possa ser "resumida". Mas uma coisa eu sei: dez anos depois da morte, o colunista que praticamente me ensinou a ler (e a escrever) continua a fazer uma falta desgraçada na imprensa desgraçada desse país.
Ele era ácido, elegante, obscenamente surreal e o herdeiro do trono literário do pai. Não é possível encontrar melhor que isso.

Sejamos honestos: William é um bom partido para Kate; mas Kate é um excelente partido para William -e para a Família Real.
Desde a morte de Diana Spencer que o problema dos Windsor é o mesmo: como reconquistar a lealdade dos súditos num mundo crescentemente igualitário?
Anos atrás, um jornalista que admiro (George Walden) escrevia um livro com a resposta. Intitula-se "The New Elites", e Walden defende que as "novas elites" (da televisão, do cinema, da música, da política) já não procuram "distinguir-se" das massas; procuram, pelo contrário, imitá-las nos comportamentos, na linguagem e até no vestuário.
Na década de 50, Humphrey Bogart vestia-se como um "gentleman". Nos dias de hoje, Johnny Depp ou Brad Pitt não se distinguem dos adolescentes que assistem aos seus filmes.
Hollywood é um negócio. A Família Real, de certa forma, também. E, para manter o negócio a funcionar, nada melhor que uma bela transfusão de sangue plebeu para contentar os corações plebeus dos ingleses.
Os espanhóis já o fizeram com a jornalista-que-virou-princesa Letizia Ortiz. O mesmo aconteceu com Victoria da Suécia e o seu ex-personal trainer, convertido em duque.
Faltava só os ingleses. "The show must go on."

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