terça-feira, abril 05, 2011

JARBAS PASSARINHO - Deplorável prescrição do mensalão


Deplorável prescrição do mensalão

JARBAS PASSARINHO

CORREIO BRAZILIENSE - 05/04/11

Inédito na era republicana, envolvendo na mesma putrefação moral Executivo e Legislativo, foi o apelidado de mensalão, logo no início do mandato de Lula. Não tendo votos para aprovar por maioria absoluta as suas propostas de projetos de lei, e menos ainda de três quintos de cada Casa para reformar a Constituição, o governo os obtinha pela compra, em dinheiro, de deputados venais. O descarado procedimento dos venalizados, mostrava-os a televisão a tentar a negação das provas.

Um deles foi particularmente chocante. Disse que os R$ 50 mil, a propina que mandou a esposa receber, não fora senão para pagar a consulta de um ginecologista, no mesmo endereço.

A pesquisa da opinião pública refletiu a indignação que fez desabar, de 80% para 20% apenas, a taxa de apoio popular de Lula. Acabrunhado, posou de inocente, para a mídia impressa e televisionada. "Não sabia de nada", repetia como se fosse possível ignorar o que era tramado na sala ao lado da sua, ou supor que as retumbantes vitórias nas votações, que seu antecessor não lograra, derivassem do surpreendente prestígio numa Câmara em que seu partido não elegera nem um terço das cadeiras do plenário. O que parecia inverossímil foi, paulatinamente, acolhido por parte de seu público cativo dos metalúrgicos, e da postura do companheiro torneiro mecânico que se fez presidente da República. Somou, aos crentes, a maioria dos estudantes universitários da USP.

Era pouco. "Fui traído", acrescentou. Premido pelas circunstâncias, não demitiu o suposto e não confessado traidor. Aceitou o pedido de demissão e derramou-se em gentileza ao responder-lhe a carta de demissão com o vocativo carinhoso de "Meu querido Zé". Seu ministro da Justiça, o experiente criminalista Thomaz Bastos, ofereceu-lhe o argumento: "Diga que se trata de caixa dois, que não é crime". Disse-o de Paris, onde estava, a uma jornalista desconhecida, acrescendo que caixa dois não é crime, todo mundo faz. Baseado no penalista, quando o honrado procurador-geral da República, nomeado por ele, denunciou a "organização criminosa" ao Supremo, já Lula discordava publicamente da denúncia, que dizia descabida.

Finalmente, quando terminou seu governo, afirmou que não descansaria senão após a absolvição dos mensaleiros, pobres vítimas da sanha da imprensa. Sua promessa, dela servirá a exorbitante lentidão da Justiça, a partir da manobra capciosa de leguleios a indicar testemunhas imaginárias dos 40 meliantes, até de moradores no estrangeiro longínquo, para serem ouvidas no processo, mediante carta precatória. A manobra buscava obter a prescrição, ou seja, a extinção da punibilidade dos mensaleiros, esgotado o prazo para o julgamento do crime.

Leio no Estado de S.Paulo de 27 de março passado grave insinuação: "O Supremo, ao aceitar a denúncia, em agosto de 2007, criou a ilusão de condenação, mas os ministros intimidaram-se com revelação de trocas de mensagens entre os ministros Ricardo Levandowski e Cármen Lúcia, por meio do sistema de comunicação interno do STF, sobre uma possível articulação de colegas para derrubarem integralmente a denúncia do mensalão". Embora seja admitido que o Supremo, excepcionalmente, julgue casos segundo a conveniência política - e no caso o governo se empenhava - estou certo de que os ministros pautam seus votos exclusivamente pela lei, segundo o velho lema dura lex sed lex.

O calendário do processo, feito pelo judicioso jornal, mostra a seguinte sequência, que transcrevo literalmente: "Agosto de 2007, o Supremo recebe a denúncia; Agosto de 2011, o crime de formação de quadrilha prescreve, passados dois anos do recebimento da denúncia. Dos 40 réus, 24 foram denunciados também por formação de quadrilha; Fevereiro de 2012, Joaquim Barbosa espera concluir seu voto no início de 2012; Fevereiro de 2012, a ação é encaminhada para o ministro Ricardo Levandowski, para revisar todo o processo e preparar voto paralelo ao de Barbosa; até dezembro de 2012 o Ministro Ricardo Levandowski estará com o voto pronto e o processo estará liberado para julgamento; Fevereiro de 2013, o processo deve ser colocado em pauta, se as vagas abertas com a aposentadoria de Cezar Peluso e Ayres Brito já estiverem preenchidas". Como se vê, 24 dos 40 mensaleiros já terão peremptos, em agosto deste ano, seus crimes de formação de quadrilha.

A esse quadro decepcionante, entretanto, opõe-se a rapidez com que as denúncias de um delator, amparado pelo Ministério Público, provocaram o chamado mensalão de Brasília, levando à prisão do governador do DF, sua imediata expulsão do partido a que pertencia e a perda de mandato de deputados distritais, mesmo que apelassem para o conceito salvador de caixa dois de Thomaz Bastos.

Considera-se esse mar de corrupção inerente a estados totalitários, mas estamos numa democracia. Giovanni Sartori, no seu Democratic Theory, a respeito da confusão das diversas definições de democracia, cita de Eliot essa boutade: quando um termo se tornou universalmente santificado pergunta-se se significa algo concreto, em face da multiplicação de significados que lhe são atribuídos. A nossa, com tamanha diferença de conduta, lembra a que foi classificada de "democracia relativa".

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