Desafios de Basileia 3 não são triviais
GUSTAVO LOYOLA
VALOR ECONÔMICO - 04/04/11
Em fevereiro último, o Banco Central divulgou as orientações preliminares e o cronograma de implementação no Brasil das novas regras de capital estabelecidas pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, incorporando as lições da crise financeira de 2007-2009 (Basileia 3). Pelo que se observa no Comunicado do BC, a intenção do supervisor bancário brasileiro é a de antecipar, no que possível, a adoção de modo gradual das novas regras em nosso país, não esperando necessariamente pelos prazos limites sugeridos pelo Comitê.
A implementação desse novo arcabouço regulatório no Brasil, sob alguns aspectos, será mais fácil do que nos países cujos bancos foram mais fortemente atingidos pela crise financeira. A regulação financeira brasileira já é mais rígida quando se trata da definição de capital regulatório, assim como é maior a exigência de capital como proporção dos ativos ponderados pelo risco (11% contra 8% da exigência das normas atuais de Basileia 2).
Não obstante, como veremos a seguir, há certas peculiaridades do ambiente legal-institucional brasileiro que complicarão a tarefa do Banco Central na introdução dos conceitos de Basileia 3 em nosso país. Em razão disso, o BC enfrentará o desafio nada trivial de compatibilizar os princípios acordados no Comitê com a realidade do país, sem que isso signifique abrir mão do objetivo maior de assegurar a estabilidade financeira e o alinhamento da regulação brasileira aos princípios internacionais.
Como sabido, um dos princípios mais caros ao novo acordo de capital é o da criação de mecanismos contracíclicos, com o intuito de evitar a excessiva expansão do crédito nos períodos de crescimento econômico, como também sua excessiva contração nos momentos de enfraquecimento da atividade. O capital "de conservação" e, principalmente, o capital "contracíclico" previstos nas regras de Basileia 3 exercerão esse papel, com o que se pretende evitar a eclosão de crises sistêmicas como a verificada recentemente.
Ocorre que, no Brasil, a existência de bancos oficiais como o BNDES, cuja política de crédito responde pouco às exigências de capital regulatório e à variação do custo de capital na economia, além de regulação que direciona compulsoriamente parte do crédito dos bancos comerciais (créditos rural e habitacional), pode amortecer ou até mesmo anular totalmente os efeitos moderadores pretendidos pelas normas de cunho contracíclico previstas por Basileia 3. Apenas o crédito "livre"- mas não o crédito "direcionado"- responderá plenamente aos incentivos inerentes ao novo arcabouço regulatório, o que gerará enfraquecimento da norma prudencial e o aumento das distorções na alocação do crédito na economia.
Uma das questões mais controversas é o impacto dessas regras sobre o crescimento econômico e o emprego
Uma segunda característica peculiar do sistema bancário brasileiro que deve ser considerada na implantação das regras de Basileia 3 é o elevado nível de recolhimentos compulsórios sobre os passivos dos bancos. Os compulsórios representam um formidável colchão de liquidez - e a crise de setembro de 2008 mostrou cabalmente sua utilidade - e, nesse sentido, o Brasil mostrou-se melhor na foto do que a maioria das economias desenvolvidas. Ocorre que, no quadro de maiores exigências de Basileia 3, a manutenção de elevada liquidez pelos bancos sob forma de recolhimentos compulsórios agravaria ainda mais a questão do amplo "spread" bancário que distingue o Brasil da maioria das economias relevantes do mundo. Nesse sentido, o BC brasileiro, sem abrir mão desse importante instrumento monetário e macroprudencial, deve reavaliar a estrutura e nível dos recolhimentos compulsórios, bem como, por óbvio, sua utilização num contexto em que as regras de Basileia 3 já estejam plenamente implantadas.
A propósito, uma das questões mais controversas nas discussões nos fóruns internacionais sobre Basileia 3 tem sido justamente o impacto das novas regras sobre o custo do crédito e, em consequência, sobre o crescimento econômico e o emprego. Os estragos causados pela crise financeira recente indicam que, sob o ponto de vista de uma análise custo-benefício, a adoção de regulação financeira mais rígida é desejável, desde que evitados os exageros. Mas, num país como o Brasil, onde os "spreads" são elevados em decorrência principalmente da intervenção estatal (taxação, compulsórios) e de falhas de mercado (assimetrias informacionais, por exemplo), a introdução de regulação financeira mais rígida pode piorar ainda mais este problema, caso não sejam consideradas políticas adequadas que favoreçam a redução dos "spreads" ao longo do tempo.
Por fim, uma terceira dificuldade a ser enfrentada pelo BC refere-se à heterogeneidade das instituições bancárias no Brasil, em termos de porte e de composição de ativos e passivos. Embora tal problema exista também em vários outros países, no caso brasileiro parece-nos particularmente importante que o BC leve em conta os possíveis impactos diferenciados dessas novas regras de capital e de gestão de risco sobre os bancos, de forma a conciliar o objetivo da estabilidade financeira com o da neutralidade regulatória sob o ângulo concorrencial.
Não vejo heterogeneidade nos bancos brasileiros, pois são 4 "banqueiros" que dominam a Banca Nacional: Governo Federal (BB, CEF, BNDES, BASA e BNB), Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander. O resto, somado, dá uns 25% do SFN.
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