domingo, abril 03, 2011

CELSO MING - Ora, direis, agregar valor



Ora, direis, agregar valor
CELSO MING

O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/04/11

Ontem, esta coluna procurou avaliar o que está por trás dessa ideia, gerada pelo Palácio do Planalto e depois desmentida pelo Ministério da Fazenda, de impor um confisco (Imposto de Exportação) sobre vendas externas de minério de ferro.
Hoje, convém avaliar melhor não propriamente os objetivos, mas a principal justificativa usada por formuladores de projetos desse tipo.
O argumento é o de que é preciso agregar valor. Mais ou menos assim: "O Brasil não pode ser transformado num buraco de onde se tiram sem parar os recursos naturais nem num fazendão que pouco contribui para incorporação de tecnologia. Produzir e exportar produtos primários é, em princípio, um mau negócio para o produtor e para o País, na medida em que o pode manter aferrado a padrões colonialistas de produção".
Por trás desse ponto de vista estão os pressupostos e as concepções do economista argentino Raúl Prebisch, que teve o grande mérito de identificar e medir a deterioração estrutural dos termos de troca dos países subdesenvolvidos. Eram eles que exportavam minérios, alimentos e petróleo e importavam produtos acabados. Por isso, afundavam no atraso, na pobreza e na dependência econômica e política.
Mas, de uns 20 anos para cá, os termos de troca mudaram substancialmente no mercado global. Um grande número de emergentes, como China, Índia, Coreia do Sul e Indonésia, é altamente dependente de fornecimento externo de matérias-primas, alimentos e energia - o que não ocorreu na época em que o grande emergente da hora eram os Estados Unidos (eles foram autossuficientes em quase tudo). Hoje, o produto escasso e estratégico deixou de ser preponderantemente manufaturado. Passou a ser energia, alimentos ou outros produtos primários.
É preciso entender também que o mercado financeiro não é mais o da segunda metade do século 20. Transformou-se e está mudando a economia global e, com ela, os termos internacionais de troca.
Não se pode olhar para uma commodity do mesmo jeito com que os opositores dos regimes colonialistas olhavam para o mercado de matérias-primas. As commodities se transformaram em ativos financeiros - e isso diz muita coisa.
Ninguém, por exemplo, despeja bilhões de dólares em panelas (ou caixilhos) de alumínio, em tachos (ou fios) de cobre nem em montanhas de caramelos ou de fubá. Mas é capaz de investir uma enormidade, sim, no mercado futuro e nos mercados de derivativos de alumínio, cobre, açúcar, milho e de tanta coisa mais. Ou seja, a enorme liquidez conferida pelos mercados a um grande número de matérias-primas as tornou especialmente mais atrativas do que produtos que, em princípio, ostentam a condição de maior valor agregado.
Nem o minério de ferro nem o etanol gozam hoje do status de commodity internacional, como são o petróleo, a gasolina, o café, a soja, o açúcar, o algodão e um grande número de metais. Mas suas condições de mercado hoje são muito próximas de começarem a ser.
Isso já significa que não se pode ir repetindo, a esmo, argumentos de que qualquer processo de agregação de valor seja, por si só, mais desejável do que a produção e o comércio de commodities. Os problemas são outros (como os da valorização excessiva da moeda) e as soluções também têm de ser diferentes. 

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