sexta-feira, abril 01, 2011

ALON FEUERWERKE

Gosto pelo teatro
ALON FEUERWERKE

CORREIO BRAZILIENSE - 01/04/11

O governo brasileiro é assim. Adora receber elogios do FMI, do Banco Mundial, da imprensa estrangeira especializada, dos banqueiros, das agências de classificação de risco. Mas adora também falar mal dessa turma, dos “loiros de olhos azuis”, talvez para arrancar lágrimas e suspiros do pessoal do “outro mundo possível”
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Portugal e aconselhou os irmãos lusos a recusar a interferência do FMI. Portugal anda à beira da quebra. E sem governo, pois o gabinete caiu depois de falhar quando tentou no parlamento apoio político para medidas de austeridade.
Mas alguém vai ter que pagar a conta do ajuste português. Quem vai ser? A União Europeia? A Alemanha? As urnas do último fim de semana não foram exatamente estimulantes para a chanceler alemã, Angela Merkel. Como o eleitor dela reagirá quando propuserem a ele ficar com a dolorosa?
Os europeus certamente encontrarão um caminho para sair do enrosco de ter uma periferia financeiramente complicada. É o caso de acompanhar. A Europa já se recuperou de coisas piores.
Mas não dá para passar batido pelas palavras do nosso ex-presidente.
Lula é o inventor de uma fórmula quase imbatível. Executar a política do FMI e atacar o FMI. É um estilo. Foi bem descrito nos telegramas vazados pelo WikiLeaks sobre as conversas reservadas da diplomacia norte-americana com a cúpula petista.
Endurecer verbalmente em público, ceder à realpolitik no particular.
No que exatamente Lula deixou de executar a essência das políticas preconizadas pelo FMI? Desde que o mundo é mundo o FMI só pede uma coisa quando vai socorrer alguém: que esse alguém se organize e mostre capacidade de pagar as dívidas.
Foi o que fez o Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, e continuou fazendo no de Luiz Inácio Lula da Silva. Organizou-se, institucional e operacionalmente, para ter uma razoável sobra de caixa antes de contabilizar encargos financeiros. É o tal superávit primário.
Sem falar na disciplina contábil empurrada manu militari a estados e municípios.
A linha dura ao Brasil após décadas de experimentação foi quem colocou nossa economia nos trilhos. Tanto é assim que Dilma Rousseff mal assumiu e já se apressou a declarar que faria um baita corte no orçamento. Para sobrar todo o dinheiro necessário ao equilíbrio das dívidas.
E talvez algum para investimentos. Mas em segundo plano. Importante é ter credibilidade, é ter o respeito dos credores.
Também por isso os trabalhadores que recebem salário mínimo e os benefícios previdenciários indexados ao mínimo ficaram este ano sem qualquer reajuste acima da inflação medida em 2010. Alguém ouviu o FMI reclamar?
Ou seja, Lula praticou na terra dos patrícios o velho método do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”. Rebeldia para consumo externo, enquadramento na vida real.
O governo brasileiro é assim. Adora receber elogios do FMI, do Banco Mundial, da imprensa estrangeira especializada, dos banqueiros, das agências de classificação de risco. Mas adora também falar mal dessa turma, dos “loiros de olhos azuis”, talvez para arrancar lágrimas e suspiros do pessoal do “outro mundo possível”.
Adora mesmo é um teatro.

Mistério
A sobrecarga e a aproximação da Copa do Mundo aumentam a pressão para que o governo faça algo nos aeroportos brasileiros.
Aeroporto é atividade monopolista. Não tem concorrência. E tem receita garantida. Um ramo completamente vocacionado para a atividade estatal.
Bastaria fazer um plano e executar.
Se o PT estivesse na oposição, alguém do PT observaria o cenário e diria que a atividade aeroportuária no Brasil está sendo sucateada para fins de privatização.
A boa novidade é que as novas autoridades da área parecem — atenção, parecem — não comprar facilmente a tese de que privatizar é a solução mágica.

Dobradinha
O PT não tinha maioria para aprovar o voto em lista fechada na comissão especial do Senado que discute a reforma política, mas mesmo minoritário emplacou a proposta, graças à abstenção do PSDB.
Pela primeira vez, o caminho está aberto para o voto em lista fechada, preordenada, caminhar bem no Congresso Nacional.
Se a dobradinha prosseguir, é claro.

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