sábado, março 26, 2011

ZUENIR VENTURA

A perigosa tesourinha
 ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 26/03/11

Vieram dois agentes, e eu procurei fazer ver que aquele idoso ali na frente deles - avô de Alice, com endereço certo, ficha limpa e profissão pública - não oferecia qualquer risco à segurança nacional, ainda mais que fora a BH em missão de paz, para uma palestra na Academia Mineira de Letras. Expliquei que apoiava as medidas de precaução e não queria privilégio, apenas o direito que todos têm à exceção que toda regra permite. Se eu tinha viajado para lá sem cometer qualquer desatino, não seria na volta para casa que eu iria tentar um ato insano. Um poste teria sido mais sensível aos meus argumentos. Foi então que aprendi que as leis, regulamentos e regras talvez tenham sido feitos para poupar burocratas do penoso esforço de raciocinar.
Aquela incrível mistura de ridículo e absurdo demorou mais de meia hora, até que exausto de argumentar em vão e incapaz de injetar um raio de bom senso que fosse naquelas cabeças herméticas à razão, resolvi me livrar da arma assassina. Avisei o que ia fazer e, com um gesto teatral, atirei a tesourinha no lixo, para espanto dos que assistiam à cena e satisfação dos dois bravos representantes da lei e da ordem, que deram um sorriso alvar e fizeram cara de orgulho por terem cumprido enfim seu dever cívico. Acabavam de evitar o atentado terrorista que seria perpetrado por um dissimulado idoso com sua perigosa tesourinha de unha. Mereciam por isso, quem sabe, um elogio na folha de serviço.
Melhor que não tivesse dito nada. Depois de classificar a Lei da Ficha Limpa como "um dos mais belos espetáculos democráticos", instrumento de "purificação do mundo político", o ministro Luiz Fux estreou no STF contrariando a expectativa que ele próprio nos fez criar dele. Optou por dar mais dois anos de bem-bom aos corruptos. Apegou-se ao artigo 16 da Constituição e desprezou o 14, que prega a moralidade na vida pública. Na prática, preferiu beneficiar a banda suja. Pois eu e a consciência democrática do país, que não entendemos de leguleio, preferimos a companhia de Cármen Lucia, Ellen Grace, Ayres Brito, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. Em compensação, Jader Barbalho não sabe como agradecer ao novel ministro Fux pelo desempate. 

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