segunda-feira, março 21, 2011

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

Sinais de fumaça
 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

Diplomacia é matéria complicada. Mais fácil é a guerra. A visita do presidente Barack Obama ao Brasil. Não completados nem três meses da posse da presidente Dilma Rousseff, é sinal de deferência ao Brasil, diz uma corrente de intérpretes desse cipoal de símbolos e sutilezas em que consiste a atividade diplomática. A visita do presidente Obama, só depois de mais de dois anos de sua posse. é sinal da escassa deferência dispensada ao Brasil. contesta outra corrente. Obama decidiu vir acompanhado da mulher e das filhas. Que dizer da intrusão desse ar de passeio familiar naquilo que a diplomacia, com pompa e reverência, chama de "visita de estado"? Sinal de afeto pelo Brasil, eis uma interpretação. Sinal de que Obama quer ficar longe de coisa séria, e encararia a viagem como um fim de semana de recreio e relaxamento, eis outra.

A palavra "sinal". tantas vezes repetida no parágrafo acima, é inevitável no assumo em questão. A diplomacia é a arte de espalhar sinais de fumaça no ar. Nos encontros entre presidentes do Brasil e dos EUA, um dos sinais mais monitorados é o "de deferência". Trata-se. naturalmente, de sinal de deferência do maior para com o menor. ou seja, dos EUA para com o Brasil. Para citar um, entre os muitos exemplos do passado, foi considerado um "sinal de deferência" do presidente George W. Bush para com o presidente Lula, em 2007, o fato de tê-lo recebido no ambiente aconchegante da residência campestre de Camp David. Esta coluna chega ao leitor quando já se desenrola a visita de Obama ao Brasil. O leitor já está portanto munido de mais elementos para julgar os possíveis "sinais de deferência" do que.o colunista, que escreve em avanço.

Sem contar o encontro em Natal entre os presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt, em 1943 - voltado para o esforço de guerra americano. e sua necessidade de uma base em território brasileiro. não para as relações bilaterais -, a história das cúpulas Brasil-EUA tem seu marco zero nos dois encontros, um lá e outro cá, dos presidentes Eurico Dutra e Harry Truman. O que ficou deles foi urna piada, em que ao "How do you do. Dutra?", do americano, o brasileiro respondia: "How tru you tru, Truman?". O diplomata Sérgio Danese, em seu livro Diplomacia Presidencial. registra que em nenhuma das duas mais consistentes biografias de Truman (a de Cabell Phillips e a de David McCullough) há menções aos encontros com Dutra. O desprezo da história (ou dos historiadores americanos) pelos encontros com presidentes brasileiros se repetiria com respeito à visita de João Goulart aos EUA, em 1962. O brasileiro foi recebido pessoalmente. em Washington, pelo presidente John Kennedy. Sinal de deferência! No entanto, o historiador Arthur Schlesinger, assessor de Kennedy. não registrou a visita em seu Mil Dias. livro de referência sobre o período, nem se deu ao trabalho de registrá-la em seus diários, publicados em 2007, apesar de ter participado de reuniões com a comitiva brasileira.

Obama escolheu vir acompanhado de assessores econômicos e empresários. Sinal de que quer ficar longe dos temas políticos, em especial a insistência pedinchona do Brasil na questão da cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Mas programou um discurso em plena Cinelândia, no Rio - sinal de que guarda uma grande noticia, talvez relacionada com a famigerada cadeira. Para a fase carioca da viagem, não poderia faltar a escala em uma favela, este clássico das visitas ao Brasil, sejam elas de presidentes, como Obama, de primeiras-damas, corno Carla Bruni, ou de príncipes. como Charles. O ritual teve i1úcio, para nunca mais ser abandonado, na visita do francês François Mitterrand, em 1985, e de saída já provocou sustos. Mitterrand e comitiva, mal iniciada a escalada do Morro do Cantagalo. reagiram apreensivos ao estrondo de morteiros disparados para saudá-los. Seguranças esboçaram sacar das armas. O principio de pânico só se desfez quando um morador esclareceu: "Ei, macacada, foi só um foguete" .

Não se espera que com Obama, chefe de um governo que repudia os improvisos e calcula nos mínimos detalhes a questão da segurança, ocorra ). algo parecido. De resto, fiquemos em guarda ,quanto a comentários de que houve boa "química" entre os presidentes Obama e Dilma Rousseff. Eis outro clássico da diplomacia presidencial. Can sou-se de louvar a boa química entre Lula e Bush, assim como, antes, entre FHC e Clinton. Chega de química. É hora de devolver sua boa produção aos pesquisadores das universidades. aos farmacêuticos e aos bons chefes de cozinha.

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