sábado, março 19, 2011

MANOEL CARLOS

Listas


MANOEL CARLOS

REVISTA VEJA RJ
Como todo mundo, eu também cresci ouvindo meu pai dizer, com um certo orgulho cívico, como se a natureza estivesse sempre do nosso lado:
— O Brasil é um país abençoado. Não temos terremotos, vulcões, ciclones nem nenhuma outra calamidade natural.
E minha mãe, parceira de Deus em tudo o que fazia, riscava no corpo o sinal da cruz, acrescentando:
— Que Deus nos livre e guarde!
Hoje, com toda a certeza, meu pai não seria tão pretensioso, já que as chuvas, em todo o Brasil, têm causado grandes tragédias, com deslizamentos de terra, desabamentos e enchentes, carregando casas, pessoas e milhares de sonhos ribanceira abaixo.
Nasci em São Paulo e vivi, por muitos anos, naquela bela cidade, apropriadamente conhecida como “terra da garoa”, um apelido carinhoso que ela mereceu durante muito tempo. Pelo menos durante o tempo em que fui criança, adolescente — até adentrar a idade adulta. À noite, quase todas as noites, a garoa era a fiel companheira dos boêmios, causadora, no máximo, de um inofensivo resfriado. Hoje, pelo que lemos nos jornais, São Paulo submerge quase todas as tardes, emergindo na manhã seguinte, o tempo suficiente para secar e estar preparada para novo banho.
E assim tem acontecido em várias cidades do nosso imenso país, como na região serrana do Rio, há pouco. Obviamente, nada se assemelha ao que ocorre nos países que convivem com os vulcões, os ciclones, os terremotos e agora também os tsunamis.
Essa sucessão de catástrofes trouxe de volta as listas, paixão do homem desde os primórdios, como nos ensina Umberto Eco no belíssimo livro A Vertigem das Listas, que a Editora Record colocou nas livrarias.
E, por coincidência ou não, no mesmo momento em que ficamos sabendo que o terremoto que arrasou o Japão é “apenas” o sexto mais devastador entre os sete listados, somos também informados da lista dos bilionários do planeta, que inclui o brasileiro Eike Batista numa oitava colocação, o que levaria meu pai a comentar, se vivo fosse, que o Brasil, pelo menos no quesito fortuna, está bem na fita, quer dizer, na lista. E, nesse mesmo rol de homens afortunados, aparece também um artista brasileiro, o nosso Waltinho Salles, ainda que num modesto (por enquanto) 440º lugar. Mais listas circularam, como a das melhores universidades e a dos artistas americanos que mais devem ao Fisco, com Michael Douglas na ponta; os mais drogados, com o imbatível Charlie Sheen; os mais violentos, com Mel Gibson.
As listas, durante o mês de março, ainda exibiram números curiosos, como o de armas de fogo, que nos mostrou que, das 28 540 registradas no país, a região sul encabeça a lista com 15 238, tendo Santa Catarina (vejam só!) disparado na ponta, com 6 840, seguida do Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. O Rio, de tão decantada violência, aparece num modesto quinto lugar. Meu amigo Lauro, com quem comentei esses números, afirmou, com ar sombrio, que o Rio é o campeão, mas... em armas não registradas. É, pode ser...
No reino das amenidades, o Carnaval revelou a lista dos mais beijoqueiros, com a Hebe em primeiríssimo lugar; dos mais festejados, com o Roberto Carlos; dos que mais apareceram, com a Sabrina Sato destronando Claudia Leitte, Ivete Sangalo e Carolina Dieckmann; dos mais implicantes, com a Luana Piovani; dos maiores cachês de políticos brasileiros, com o Lula campeão. Enfim: as listas voltaram com tudo, a partir do terremoto no Japão, duas semanas atrás, que registrou 8,9 graus na escala Richter.
Agora uma síndica de um condomínio em São Paulo resolveu estabelecer uma escala para os gemidos amorosos, já que, de um dos apartamentos, demonstrações sonoras de paixão vêm incomodando os vizinhos. Ainda não se sabe como ela pretende fazer essa medição, mas já se especula o nome que ela terá: escala Rejane, nome da síndica que pretende atender os vizinhos, que se posicionaram contra o fogo do casal apaixonado.
Diante disso, repudio a medida repetindo as palavras da minha mãe:
— Que Deus nos livre e guarde de tamanha inveja!

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