segunda-feira, março 07, 2011

LUIZ FERNANDO FRAGA E MARCELA MAFFEI QUADRA TRAVASSOS

Dever à Justiça não é bom negócio
LUIZ FERNANDO FRAGA  E MARCELA MAFFEI QUADRA TRAVASSOS

O Estado de S.Paulo - 07/03/11

Durante muito tempo consolidou-se na cultura brasileira a certeza de que ser devedor no nosso Judiciário constituiria, economicamente, um "bom negócio".

De um lado, tinha-se a excessiva morosidade do Judiciário; de outro, havia índices de correção monetária e de juros aplicados aos débitos judiciais que ficavam bem abaixo dos expressivos rendimentos das aplicações financeiras, mesmo das mais conservadoras. Tudo a favorecer a estratégia de se postergar ao máximo o pagamento dos débitos judiciais, com grandes vantagens aos devedores acionados em Juízo.

A história recente do Brasil remonta a períodos marcados por índices de inflação extremamente altos. O índice médio anual verificado na década de 80, por exemplo, atingiu o montante acumulado de 330%, e no período entre 1990 e 1994 a média anual chegou ao nível estratosférico 764%.

Na tentativa de refrear a inflação que assolava a economia brasileira, uma das principais medidas adotadas pelo governo federal sempre foi a fixação de elevadas taxas de juros do mercado no País, estas valendo para as aplicações financeiras, tais como a caderneta de poupança e os fundos de renda fixa.

Enquanto isto, os débitos decorrentes de decisões judiciais eram acrescidos de correção monetária, conforme o artigo 1º da Lei 6.899, de 09/04/81, e de juros legais que, de acordo com o então vigente Código Civil, estavam limitados a 0,5% ao mês.

Assim sendo, muito mais valia ao devedor aplicar o dinheiro em caderneta de poupança e/ou em fundos de investimentos conservadores, auferir os respectivos rendimentos atrelados às altas taxas de juros do mercado (sempre superiores a 1% ao mês) e deixar a dívida "rolando na Justiça" (com correção monetária e juros de 0,5% ao mês). Quando chegava a hora de efetivamente pagar o que devia em Juízo, o dinheiro muito já havia rendido e o "bom negócio" se concretizava para o devedor.

Economia estável. Mas os tempos mudaram e a realidade no Brasil não é mais essa. Com a estabilização da economia brasileira e o constante movimento em prol da redução da taxa de juros do mercado, os rendimentos da caderneta de poupança e dos fundos de investimentos conservadores não conseguem mais atingir a atualização dos débitos judiciais. Até porque, em virtude de relevante alteração legislativa (o artigo 406 do Código Civil de 2002), nova taxa de juros de mora passou a incidir em relação a tais débitos, qual seja, a "taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional", o que até hoje tem correspondido à Taxa Selic.

Vale observar que a jurisprudência dos nossos Tribunais ainda diverge quanto à aplicação da Taxa Selic como a taxa de juros de mora incidente conforme o artigo 406 do vigente Código Civil, mas hoje prevalecendo o entendimento no sentido da aplicação da mesma, em detrimento da taxa de 1% ao mês fixada pelo art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (cf. STJ, REsp 1111117/PR, REsp 1112746, REsp 1.102.552/CE e EREsp 727.842).

Vejam-se dois exemplos do que estamos a dizer:

1 - Débito judicial de R$ 1.000.000,00 exigível em 01/01/96: com a correção monetária e a taxa de juros legais de 0,5% ao mês, em 01/12/99 chegar-se-ia ao montante de R$ 1.456.009,41. Se a mesma quantia fosse investida em caderneta de poupança no mesmo período, com taxa de juros e correção monetária conforme estabelecido pelo Banco Central, chegar-se-ia ao montante final de R$ 1.742.034,00. Ressalte-se que, mesmo acrescentando à quantia devida honorários advocatícios, fixados, de praxe, em 10% do valor da condenação, o valor total do débito judicial ainda não conseguiria superar o retorno do investimento em caderneta de poupança.

2 - Débito judicial de R$1.000.000,00 exigível em 01/01/07: com a correção monetária e os juros simples à Taxa Selic, em 01/10/10 chegar-se-ia ao montante de R$ 1.617.278,39. Acrescida da verba honorária, em montante arbitrado em 10%, o débito total seria de R$ 1.779.005,13. Caso se optasse pelo investimento daquela mesma quantia, pelo mesmo período, em caderneta de poupança, com taxa de juros e correção monetária conforme estabelecido pelo Banco Central, chegar-se-ia ao montante total final de R$ 1.312.826,00. Como se vê, a dívida judicial teria se avolumado bem acima do crescimento da mesma quantia na caderneta de poupança.

Ademais, é importante também mencionar que, na presente década, o Código de Processo Civil sofreu várias alterações nos capítulos que tratam das execuções e do cumprimento de sentenças.

Coerção. Além de tornar o procedimento mais célere, o objetivo dessas alterações foi o de trazer mecanismos mais eficazes de coerção sobre os devedores, desestimulando a mora judicial. Como exemplo, o disposto no novo artigo 475-J do CPC determina a aplicação de multa de 10% do valor da condenação ao devedor que não cumpre espontaneamente a obrigação contida em título judicial no prazo de 15 dias.

Além disso, os Tribunais passaram a contar com instrumentos eficazes de penhora online (através do sistema BACEN-JUD), por meio do qual o juiz pode determinar, do seu próprio gabinete, através de portal na internet, a penhora de valores existentes em contas bancárias e aplicações do devedor.

Como se vê, a estabilização da economia brasileira a partir da década passada, com a consequente redução da taxa de juros do mercado, bem como a entrada em vigor do novo Código Civil e das várias alterações na legislação processual na presente década tornaram a mora em Juízo um "mau negócio" para o devedor.

SÓCIO E ASSOCIADA DO BARBOSA, MÜSSNICH & ARAGÃO ADVOGADOS

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