Direitos mortais
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
É IMPOSSÍVEL CRER QUE A INTERVENÇÃO NA LÍBIA NÃO TENHA PASSADO DE PROTETORA A CAUSADORA DE MORTES
Durou pouco a impressão de que se tornavam válidas as regras da ONU para regular situações de emergência violenta, como a irrompida na Líbia. Os Estados Unidos de George Bush ocuparam o Iraque por decisão própria, encandeceram o Afeganistão da mesma maneira, e a ONU foi incapaz de uma atitude, por mínima que fosse, em defesa das regras que representa.
A situação líbia trouxe de volta a intervenção só efetivada depois de sua aprovação, por voto, pelo Conselho de Segurança.
Uma qualidade adicional desse retorno às regras foi observado, de passagem, pelo veterano jornalista Enrique Müller, chileno radicado na Alemanha: pela primeira vez, o Conselho de Segurança aprovara uma intervenção invocando a defesa de direitos humanos.
Tratava-se de proteger a população civil dos ataques de Gaddafi aos rebeldes. E assim ficou claro mesmo na imprecisa resolução do conselho, que autorizou, para tanto, a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e o embargo de armas para Gaddafi.
A queda do ditador pode justificar-se já por evitar a feroz represália que adviria de sua permanência. Mas, do modo como é buscada, invalidou a resolução do Conselho de Segurança. Franceses e ingleses, e em menor proporção os americanos, abrem a fogo o caminho para o avanço dos rebeldes.
Incluíram-se como partes da guerra, não mais agentes de inquietações humanitárias com a vitimação de civis.
Antes do passo além, França, Inglaterra e Estados Unidos poderiam submetê-lo ao Conselho de Segurança com certeza quase absoluta de aprovação. Tanto por serem fáceis os seus argumentos quanto por estar já o conselho comprometido com a empreitada, sendo-lhe conveniente apressar o fim. Preferiram voltar a Bush do que à ONU.
Além disso, e principalmente, a própria secretária de Estado americano, Hillary Clinton, reconheceu haver sinais da disposição de Gaddafi para negociar sua saída. Não haverá como justificar que essa, sem ter sido a prioridade antes da intervenção bélica, continue não o sendo.
É impossível crer que a intervenção não tenha passado, ao exceder a resolução 1973, de protetora a causadora de mortes de civis, talvez tantas quanto fazem as tropas de Gaddafi. Nunca se saberá.
E já que os direitos humanos ficaram no papel, qual é o plano para depois de Gaddafi? Uma intervenção não seria má ideia para os interesses franceses, ingleses, italianos e, como sempre, americanos.
DEVAGAR
O governo tarda em dar palavras práticas, além das policiais, sobre as insurgências nas obras das hidrelétricas. Parece esperar que a eclosão se estenda a obras de outro tipo, onde os motivos de fermentação são os mesmos de todas as atividades das grandes empreiteiras.
Já era tempo de ouvir-se uma série de obrigações a serem cumpridas, a partir de agora, por esses maus empregadores. A legislação do trabalho já sugere boa quantidade. E completá-la não exige esforço, tão grosseiras são as carências nesse gênero de trabalho, próximo de uma escravidão em tempos modernos.
A situação líbia trouxe de volta a intervenção só efetivada depois de sua aprovação, por voto, pelo Conselho de Segurança.
Uma qualidade adicional desse retorno às regras foi observado, de passagem, pelo veterano jornalista Enrique Müller, chileno radicado na Alemanha: pela primeira vez, o Conselho de Segurança aprovara uma intervenção invocando a defesa de direitos humanos.
Tratava-se de proteger a população civil dos ataques de Gaddafi aos rebeldes. E assim ficou claro mesmo na imprecisa resolução do conselho, que autorizou, para tanto, a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e o embargo de armas para Gaddafi.
A queda do ditador pode justificar-se já por evitar a feroz represália que adviria de sua permanência. Mas, do modo como é buscada, invalidou a resolução do Conselho de Segurança. Franceses e ingleses, e em menor proporção os americanos, abrem a fogo o caminho para o avanço dos rebeldes.
Incluíram-se como partes da guerra, não mais agentes de inquietações humanitárias com a vitimação de civis.
Antes do passo além, França, Inglaterra e Estados Unidos poderiam submetê-lo ao Conselho de Segurança com certeza quase absoluta de aprovação. Tanto por serem fáceis os seus argumentos quanto por estar já o conselho comprometido com a empreitada, sendo-lhe conveniente apressar o fim. Preferiram voltar a Bush do que à ONU.
Além disso, e principalmente, a própria secretária de Estado americano, Hillary Clinton, reconheceu haver sinais da disposição de Gaddafi para negociar sua saída. Não haverá como justificar que essa, sem ter sido a prioridade antes da intervenção bélica, continue não o sendo.
É impossível crer que a intervenção não tenha passado, ao exceder a resolução 1973, de protetora a causadora de mortes de civis, talvez tantas quanto fazem as tropas de Gaddafi. Nunca se saberá.
E já que os direitos humanos ficaram no papel, qual é o plano para depois de Gaddafi? Uma intervenção não seria má ideia para os interesses franceses, ingleses, italianos e, como sempre, americanos.
DEVAGAR
O governo tarda em dar palavras práticas, além das policiais, sobre as insurgências nas obras das hidrelétricas. Parece esperar que a eclosão se estenda a obras de outro tipo, onde os motivos de fermentação são os mesmos de todas as atividades das grandes empreiteiras.
Já era tempo de ouvir-se uma série de obrigações a serem cumpridas, a partir de agora, por esses maus empregadores. A legislação do trabalho já sugere boa quantidade. E completá-la não exige esforço, tão grosseiras são as carências nesse gênero de trabalho, próximo de uma escravidão em tempos modernos.
Sempre admirei o Jânio de Freitas. Escreve bem e é muito lúcido em tudo que diz. Fez bem em publicar a matéria. Abs.
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