sexta-feira, março 04, 2011

FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA

Para comemorar... e refletir
FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA
O GLOBO - 04/03/11
O PIB cresceu, em 2010, a uma taxa que supera em 2,5 pontos percentuais o resultado estimado pelo FMI para a economia mundial. Verdade que a base de comparação é baixa. Mas, no caso da economia mundial, ela também o é. Não dá para atribuir o resultado a fatores externos. O mérito principal é de origem doméstica: da política anticíclica adotada pelo governo e dos fundamentos econômicos sólidos construídos durante um longo período.

O crescimento de 7,5% representou também a retomada do ciclo de expansão iniciado em 2004. Podemos contar agora um período de sete anos completos com taxa média anual de expansão de 4,4%.

Igualmente importante foi o desempenho da formação bruta de capital fixo: cresceu 21,8%, elevando a taxa de investimento para 18,4% do PIB em 2010. E mais, descontando-se a queda relativa dos preços dos bens de investimento, isto é, calculando a preços de 2008, a taxa de investimento chega a 19,6%, superando o valor pré-crise.

Em suma, são resultados para comemorar. Mas, olhando para frente, há obstáculos importantes a serem superados para manter um ritmo de crescimento satisfatório.

Observe-se primeiro o que vem ocorrendo pela ótica da oferta: um encolhimento da indústria de transformação frente aos demais setores. Nos últimos dois trimestres, o produto industrial sofreu queda de 2%, baixando a um nível 3,5% inferior ao do pico pré-crise (terceiro trimestre de 2008), apesar da demanda aquecida. Há aqui um grande desafio: a perda de competitividade internacional, num contexto de câmbio muito apreciado.

Em contrapartida, o setor de serviços vem crescendo de forma sustentável. Comparando-se o último trimestre de 2010 com o pico pré-crise internacional, verifica-se que esse setor deu uma contribuição de 5,9 pontos percentuais para o crescimento da economia. Como o PIB cresceu 5,6%, a contribuição conjunta dos demais setores foi negativa. Surge então a questão de se é possível a economia continuar crescendo a um ritmo elevado, a longo prazo, puxada pelo setor de serviços.

Ainda pelo lado da oferta, o dinamismo do PIB foi acompanhado por uma expansão do emprego de quase 3%. A economia começou, então, a dar sinais de estar próxima do pleno emprego. Reside aqui mais um desafio. Há um novo limite para o crescimento, até então desconsiderado no caso brasileiro: a disponibilidade de trabalhadores. Com estoque limitado de mão de obra, o crescimento passa a depender mais do aumento da produtividade. Como elevar substancialmente a produtividade numa economia puxada pelos serviços?

Contudo, para avançar a um ritmo médio de 5% nos próximos anos, sem pressionar a inflação ou as contas externas, não basta aumentar a produtividade. O estoque de capital também tem que crescer substancialmente para que a oferta acompanhe a demanda. Pode-se estimar que a taxa de investimento tenha que subir para algo próximo de 23% do PIB.

Surge um velho e conhecido risco: mantida a atual taxa de poupança doméstica, de 16,5%, a poupança externa (déficit em transações correntes) teria que se elevar para 6,5% do PIB para financiar o investimento. Um déficit desta magnitude colocaria a economia numa perigosa situação de vulnerabilidade. Para evitá-la, seria necessário que a poupança interna crescesse significativamente como proporção do PIB. Ou seja, o consumo do governo e das famílias teria de crescer menos que a renda. Uma tarefa difícil. Nos últimos dois anos, o consumo agregado cresceu 5,1% a.a., contra 3,3% a.a. para o PIB. No ano passado, a equação melhorou (6,1% x 7,5% para o PIB), mas, ainda assim, menos que o necessário, dado o aumento do investimento. A notícia boa é que o governo vem tomando medidas para enfrentar o problema (nas áreas fiscal e de crédito).

Por fim, não basta abrir espaço, via aumento da poupança doméstica, para reduzir o déficit em conta-corrente. É necessário que os preços relativos forneçam os incentivos para que exportadores vendam mais ao exterior e produtores domésticos ampliem sua fatia no mercado interno. Este talvez seja o desafio mais difícil de ser enfrentado.

FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA Professor da UFRJ e assessor da Diretoria de Planejamento do BNDES

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